Redação
“Como sempre, o teatro eleitoral venezuelano não se encerra quando as urnas são fechadas. A fase mais angustiante para os milhões de cidadãos que, de forma inequívoca, almejam mudança em um país castigado por 25 anos de regime chavista começa agora. A posse presidencial se dará apenas em 10 de janeiro (a votação, que normalmente acontece em dezembro, foi adiantada para este domingo, 28, em uma das manobras autoritárias de Nicolás Maduro) e, até lá, ao longo desses mais de cinco meses, há de se esperar muita contestação, intimidação e tensão política.
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Esse é o momento propício para o governo Lula promover uma reorientação profunda em sua política externa para a Venezuela. O primeiro passo para isso seria evitar endossar, de imediato ou no médio prazo, o desfecho que mais interessa a Maduro. A Venezuela precisa deixar de ser um “país-problema” para o Brasil.
Quem cunhou a expressão foi ninguém menos que Celso Amorim, o assessor para assuntos internacionais de Lula que foi a Caracas, no fim de semana, para acompanhar a votação. Em livro lançado em 2022, baseado em trechos dos diários de quando foi chanceler nos primeiros governos de Lula, entre 2003 e 2010, Amorim classificou vizinhos com governos de esquerda, a exemplo de Bolívia, Equador e Venezuela, como países-problema, reconhecendo que representavam alianças trabalhosas para a diplomacia brasileira.
Por qual razão, então, o presidente petista e sua sucessora, Dilma Rousseff, davam respaldo político para os líderes dessas nações, apesar dos desmandos? Não era apenas pela afinidade ideológica. Aliás, essa servia apenas como uma roupagem conveniente para outros interesses. Amorim, em seu livro, escreveu que o cálculo para essas parcerias conturbadas era “estratégico”.
Em 2015, um ex-diplomata venezuelano escreveu um artigo acadêmico com a seguinte análise das motivações para a parceria especial entre o Brasil dos governos petistas e a Venezuela do regime chavista:
‘A atual política externa da Venezuela procura alianças mais ideológicas que pragmáticas para manter a hegemonia interna do seu projeto político; já a política brasileira faz o jogo do esquerdismo do chavismo, mas na prática persegue interesses econômicos dirigidos a se posicionarem como sócio comercial e de investimento privilegiado na Venezuela, com um perfil preeminentemente mercantil.’
O autor dessas linhas é Edmundo Gobzález Urrutia, que saiu do anonimato este ano para enfrentar Maduro nas urnas, como substituto da opositora Maria Corina Machado.
Hoje sabemos que os tais interesses econômicos que impulsionavam o engajamento do Brasil com a Venezuela, endossando a trajetória de abusos políticos cometidos naquele país, eram os negócios privilegiados que empresas brasileiras, em especial empreiteiras, tinham com o regime chavista. A Operação Lava Jato, que eliminou essa variável, e o impeachment de Dilma, em 2016, inauguraram uma fase de afastamento entre o Brasil e o país vizinho.
O isolamento não ajudou a tirar a Venezuela da rota do autoritarismo e, por esse motivo, o governo Lula fez bem em reatar os laços diplomáticos com o país. Mas os interesses brasileiros e o contexto geopolítico envolvendo a Venezuela mudaram. O país já não está mais sob influência de Lula, se é que algum dia esteve, e sequer serve como instrumento para o Brasil se contrapor aos Estados Unidos (tática admitida por Amorim em seu livro). Esse papel agora cabe à Rússia e à China, que passaram a dar as cartas em Caracas e que são os que mais têm a perder com uma troca de governo.
O que ainda poderia impelir a diplomacia lulista a ser condescendente com a continuidade da Venezuela como um país-problema? Nada.
Ao contrário, tudo o que Brasil faz é sofrer as consequências da instabilidade venezuelana, com o fluxo de refugiados e com ameaças de guerra na nossa fronteira. Só sobrou a roupagem ideológica, mas nenhum interesse real que ela possa ‘vestir’.
Já passou da hora de o Brasil de Lula despir-se dela e assumir o manto do pragmatismo na relação com a Venezuela.”
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