Xandão não é herói, não é ídolo, não é Deus. Como ministro da Suprema Corte não está acima do bem e do mal, muito menos das leis e da Constituição Federal. E tão importante quanto, é não se sentir mais poderoso do que o cargo já lhe faculta ser. Isso, infelizmente, de forma cada vez mais frequente e clara, não vem acontecendo.
O bloqueio do X – antigo Twitter – no Brasil, é o ápice de uma sucessão de arbitrariedades jurídicas que se iniciou com o tal inquérito das fake news, em 2019, ainda que em meio a tantos acertos providenciais. Porém, como uma espécie de micose não medicada, alastrou-se pelo corpo e ameaça fugir a qualquer forma de tratamento.
Elon Musk é, sim, um arruaceiro institucional, a despeito de toda sua genialidade e méritos como empresário e empreendedor visionário. Ele atua como militante político em diversos países, a favor ou contra governos, a depender de seus interesses comerciais e suas predileções políticas. Acreditar que é um defensor da liberdade é patético.
Sua companhia, o X, neste momento encontra-se irregular no país. Nem ela nem ele são melhores que eu, o leitor amigo, este site ou qualquer outra pessoa natural ou jurídica no Brasil. Se a lei determina sede ou representação legal local a uma empresa, que obedeça, do contrário, ou cai fora ou será devida e legalmente tratada pela Justiça.
Alegar perseguição, que existe; autoritarismo, que existe; arbitrariedade, que existe, e ilegalidade – ainda que exista um judiciário (tendencioso) para recorrer – como justificativa para o desrespeito à tal lei, não funciona nem pode imperar. Musk está errado, o X está errado e a Justiça brasileira, especificamente neste ponto, está correta.
Errado, também, está quem culpa somente Alexandre de Moraes, pois Xandão decide monocraticamente porque assim seus pares permitem – e vêm referendando todas as suas decisões autoritárias. Assim como permitem os senadores da República, que não atuam para frear o absolutismo que se instalou no Supremo. Este desastre tem mais pais.
Há todo um país, há milhões de usuários, há dezenas de milhares de negócios e profissionais que estão órfãos, não de postagens, tretas e fofocas na rede social ora bloqueada, mas de uma maneira eficaz e produtiva de se trabalhar e se informar, além, obviamente, de se debater sobre o que quiser, na hora em que quiser.
Dois autoritários nos modos e egocêntricos no comportamento, ambos atuando de maneira considerada por muitos irregular, Moraes e Musk esticaram a corda até que arrebentasse, como sempre, do lado mais fraco – a sociedade. Xandão continua sua vida, Musk continua sua vida, ambos continuam sua rinha. Mas nós, não.
É imperativo um recuo. É imperativa uma solução. Quando Jair Bolsonaro, em 2021, na Avenida Paulista, em São Paulo, prometeu ‘não mais cumprir decisão judicial’ (do Xandão), sob forte possibilidade de impeachment ou mesmo prisão, apelou a um interlocutor – Michel Temer – que, dentro do possível, restabeleceu a “normalidade”.
O momento exige um interlocutor. Saída para essa presepada há. Moraes, senão seus pares, precisa encontrar uma tese que ampare revisão. Musk, com sua fortuna ilimitada, pode contratar os advogados que quiser, inclusive do tipo que frequenta o STF trajando bermudas e que tudo resolve. O Senado pode – e deve – ser o foro da conciliação.
Chilique de político, lacração de influencer, faniquito de jornalista, ameaça de empresário, manifestação popular, politicagem barata, patriotismo de araque, proselitismo ideológico não resolverão nada. Os adultos, que já deveriam estar na sala há muito tempo, precisam retirar os adolescentes da ribalta e assumir o comando.
O Brasil não vai acabar se o X desaparecer, e a recíproca é muito mais que verdadeira. Alexandre de Moraes e Elon Musk não vão ficar mais ricos ou mais pobres, ou mais cabeludos ou mais carecas, aconteça o que acontecer. Ambos não são maiores, ainda que estejam agindo assim, que as instituições que representam.
Essa página já é triste o suficiente na história do país. Não precisa ser definitiva e pode ser reescrita, ainda que não apague o ocorrido. Elon Musk pode ir brincar de agente desestabilizador onde quiser, mas não aqui. Alexandre de Moraes pode continuar bancando o ‘xerife da democracia’, mas não assim.
O Brasil é um circo, é verdade. Cheio de palhaços. Mas por ora, já deu.”