Advertência de um psiquiatra sobre a febre de apostas on line: “O único jogo responsável é não apostar”

Publicado em 02/10/2024, às 17h48

Redação

O Jogo do Tigrinho, como são popularmente chamados caça-níqueis online, e as apostas esportivas, as bets, não saem da boca e da palma da mão dos brasileiros, principalmente desde o ano passado, quando foram regulamentados.
Enquanto as cartas eram postas na mesa, pesquisadores e profissionais da saúde não se sentiram ouvidos. Alguns relatam viver uma espécie de déjà-vu com o tabaco.

No momento em que ganham intensidade os questionamentos sobre apostas on line que proliferam no Brasil, o tema é abordado pelo jornalista Leon Ferrari:

“O psiquiatra Hermano Tavares, professor associado da Universidade de São Paulo (USP), fundador e coordenador do Programa Ambulatorial do Jogo Patológico (PRO-AMJO), é uma das principais referências no Brasil e na América Latina sobre o transtorno do jogo — distúrbio reconhecido pela Organização Mundial da Saúde desde 2018, e que fica ao lado da adicção em substâncias, como álcool e cocaína. Ele nunca foi chamado pelo Ministério da Saúde ou da Fazenda para falar sobre a regulamentação das apostas online. ‘Nem eu, nem o grupo de pessoas que trabalham com isso na USP’, conta.

Hoje, ele considera que o transtorno que estuda há décadas virou epidemia – o que ocorreu após um processo de legalização e regulamentação que, na avaliação dele, não foi nada democrático, e da definição de regras ‘flagrantemente insuficientes pensando no jogo patológico’.

O ‘jogo responsável’, principal bandeira das empresas que exploram esse mercado, é um problema semântico. Afinal, quando a brincadeira envolve coisa séria, tem como ser responsável ou seguro?

‘O único jogo responsável é não apostar. O termo mais correto seria ‘apostas com máxima minimização dos riscos’, defende.

‘Sou a favor de uma sociedade que preza a liberdade. Obviamente, a minha liberdade termina onde começa a sua. Então, se você se fecha no porão de casa, com mais três primos, e vai jogar pôquer valendo, sei lá, dois reais o pingo, não tenho nada a ver com isso. Agora, se você e seus primos querem abrir um estabelecimento comercial para explorar comercialmente o jogo de azar, que é um potente formador de hábito, isso não diz mais respeito ao foro individual de vocês, diz respeito a toda a sociedade.’

Eu acho que, por exemplo, não deveria haver a exploração comercial do álcool, mas o que acontece? As pessoas vão e produzem álcool informalmente, eventualmente, sem seguir certas regras necessárias de segurança e de saúde. Então, quando você legaliza, ganha uma oportunidade de garantir condições mínimas de segurança da oferta desses produtos.

É uma falácia dizer que jogo estava proibido no Brasil, nunca esteve. Nós sempre convivemos com algum tipo de aposta na nossa comunidade ou tecido social. O que se discute é quanto mais vamos viabilizar, em termos de exploração comercial, e qual vai ser a retaguarda que vamos construir para poder lidar com os problemas que esse tipo de ampliação do acesso necessariamente vai causar. Quanto podemos ampliar, mas sendo capazes de conter o prejuízo?

Isso é um ajuste específico que cada sociedade tem que fazer. Temos que fazer esse debate. Não é muito democrático como está sendo agora: lobbys se organizam no Congresso, definem o que vai acontecer, trava-se uma disputa interna e, depois, a população aceita o que tiver sido deliberado. O debate está longe de ser verdadeiramente democrático.”

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