Redação
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“É preciso sempre lembrar que as pessoas que estão presas por portar pequenas quantidades de drogas não estão na cadeia apenas porque um policial autoritário, a seu próprio juízo, resolveu colocá-las atrás das grades. Para estar numa penitenciária, elas foram presas em flagrante ou, então, depois de uma investigação que recursos materiais e humanos pagos pelo contribuinte.
Tiveram direito, no ato da prisão, a audiência de custódia em que puderam se explicar a um juiz. Quem não tinha dinheiro para contratar um advogado, teve direito a um Defensor Público nomeado pelo Estado. Foram, então, denunciadas pelo Ministério Público, que aceitou os argumentos da autoridade policial e encaminhou o processo à Justiça. A ação foi acolhida por um magistrado que, depois de seguir os trâmites previstos em lei, considerou os réus culpados e os condenou à pena de prisão.
Ao longo de todo processo, tiveram amplo direito de defesa — enquanto os policiais que os prenderam se viram na obrigação de comprovar uma, duas, dez vezes que tinham seguido o procedimento legal e estavam certos ao agir contra aquele indivíduo.
Uma das características da lei brasileira, que trata o tráfico de drogas como um crime hediondo, é que a pessoa só será presa por esse motivo se houver comprovação física de que a droga existe. Fotografias, testemunhos e até recibos da operação não são, nesses casos, provas suficientes para o prosseguimento do processo se a droga não estiver em poder do traficante na hora da prisão. Depois, ela deverá ser mantida em depósitos até o trânsito em julgado do processo.
Ou seja, embora os sinais ostensivos da presença do tráfico de drogas estejam por toda parte, é muito difícil ser condenado por esse crime no Brasil. Sendo assim, dizer que essas 19 mil pessoas que cumprem penas por portar ‘pequenas quantidades’ de drogas estão privadas da liberdade em razão de algum tipo de arbitrariedade de um sistema injusto é pisotear em toda a credibilidade da polícia e da Justiça do Brasil.
A medida do STF facilita a vida do usuário, mas não promove uma liberação tão geral quanto parece. Ela estabelece que, independente da quantidade da droga em poder da pessoa investigada, a autoridade policial deverá observar outros aspectos antes de considerá-la apenas uma usuária. Será preciso analisar, antes de liberar o acusado, a forma como a erva está guardada, a variedade da substância apreendida, o registro de operações comerciais relacionadas à droga, contatos de usuários ou traficantes no telefone celular e, ainda, as circunstâncias da apreensão.
Ou seja, ainda há muita coisa para se discutir em torno dessa questão antes de imaginar que ninguém terá problemas caso seja flagrado de posse de uma pequena quantidade da droga. Tudo permanecerá mais ou menos como é atualmente e é isso que desperta a curiosidade sobre a motivação do STF ao levar à frente esse julgamento nesse momento especialmente delicado do relacionamento entre os poderes.
As circunstâncias que cercam a conclusão do julgamento passam a impressão de que, mais do que encerrar o assunto, o STF pretendia afirmar seu poder neste momento em que o Congresso não parece disposto a ceder mais espaço para o Judiciário. Quando o projeto voltou a andar no ano passado e começou a ficar delineada a tendência de que os ministros tendiam a aprovar a descriminalização, o Congresso se apressou e acelerou a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional 45, de 2023.
Conhecida como PEC das Drogas, a matéria, de autoria do presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estabelece critérios mais duros para classificar o tráfico de drogas e, em suma, considera crime o que o STF entendeu que não é. O projeto deverá ser levado à votação nos próximos dias e tudo indica que será aprovado. Isso significa que a decisão da Suprema Corte não encerra a discussão e que a aprovação da PEC 45 pelo Parlamento, quando acontecer, servirá apenas para jogar mais lenha na fogueira e prolongar um debate que, com todo respeito, é importante demais para continuar a ser travado fora de limites técnicos e científicos. E não pode continuar a ser levado adiante, como vem acontecendo, ao sabor de paixões políticas ou da disputa entre poderes.
‘A Suprema Corte não tem que se meter em tudo. Ela precisa pegar as coisas mais sérias, sobretudo o que diz respeito à Constituição, e virar senhora da situação. Mas não pode pegar qualquer coisa e ficar discutindo, porque aí começa a criar uma rivalidade que não é boa, a rivalidade entre quem manda: o Congresso ou a Suprema Corte?’, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista ao Portal UOL, ao comentar a decisão os ministros sobre a descriminalização da maconha.
O presidente está certo, mas é preciso considerar, também, o outro lado da moeda. Da mesma forma que muita gente considera estranho o fato de o STF ter começado a se mexer justamente no momento em que o Congresso avalia uma PEC sobre o tema, o fato é que os parlamentares também só demonstraram preocupação com o assunto depois que o julgamento se pôs a andar na Corte. Teria sido melhor que uma negociação séria e profunda entre os três poderes tivesse tratado da questão e gerado resultados muito mais positivos do que as decisões desencontradas e açodadas que vêm sendo tomadas em torno de um tema tão sensível.
A sociedade, claro, não recebeu bem a decisão dos ministros — sobretudo neste momento em que o tráfico de drogas é o lado mais evidente da onda de violência que transformou a segurança pública na preocupação número 1 dos cidadãos. A questão é séria demais para se limitar apenas em definir uma determinada quantidade de gramas de maconha, definida sem qualquer critério que não fosse a vontade dos ministros. O limite de 40 gramas estabelecido na sessão de terça-feira passada foi definido sem qualquer critério científico. Ele reflete apenas a média das propostas apresentadas pelos ministros desde que o tema começou a ser tratado pela Casa, no distante ano de 2011.
Uma lei sobre o assunto deve envolver vários aspectos. É preciso considerar que, mesmo sendo considerada uma droga mais leve, a maconha age sobre o sistema nervoso central e provoca efeitos que inclui, entre outros, déficits cognitivos de longo prazo, ansiedade, surtos psicóticos e perda de concentração. A erva é a porta de entrada para o mundo das drogas. Depois de experimentá-la e de se habituar a seus efeitos, é comum que os usuários partam para experiências mais radicais com a cocaína e com outras substâncias mais pesadas.
Ou seja, não importa se a maconha seja a estrela principal ou mera coadjuvante no mundo das drogas. O que interessa é que ela faz parte de uma engrenagem criminosa cada vez mais sólida, poderosa e nociva — que deve ser analisada não apenas pelo lado criminal mas também por seus efeitos sociais. A maconha é parte de um sistema que deve ser visto à luz do Direito, da pauta social, da saúde pública e, claro, da segurança. E nunca da ideologia de quem defende ou de quem ataca seu uso.”
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