Flávio Gomes de Barros
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"Diante da luta interminável pelos direitos das comunidades quilombolas no Brasil, a resistência se mantém presente, tanto na história quanto na atualidade. Em 20 de novembro é celebrado o Dia Nacional do Zumbi e da Consciência Negra, data que mantém viva a memória de Zumbi dos Palmares e seu território. Embora o Quilombo dos Palmares tenha deixado de existir oficialmente em 1710, sua essência se espalhou e consolidou-se em outras comunidades por todo o Nordeste, que hoje abriga a maior população quilombola do país.
O professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas, e também quilombola, Zezito Araújo é um ativista de referência na causa negra. Mestre em História Social, o acadêmico afirma que a história do país, está atrelada a população negra, suas lutas e tradições.
“Porque grande parte da história do Brasil se deve a essa população. Elas são detentoras de toda uma tradição histórica. Nós temos dois grupos aqui no Brasil que são detentores da nossa memória individual e coletiva. Primeiro os povos tradicionais, e depois os povos quilombolas, encontrando nessas comunidades muitas tradições.” garante Zezito, que já lecionou disciplinas como Antropologia do Brasil, Cultural africana e afro-brasileira, História de Alagoas, História do Nordeste, História do Escravismo no Brasil, História da África, entre outras.
Mulheres quilombolas e o empreendedorismo
Em entrevista com a coordenadora nacional da CONAQ e líder do quilombo Cruz da Menina, localizado na Paraíba, Bianca Quilombola, destaca-se a base do empreendedorismo dentro das comunidades como o motor de autossuficiência de seu quilombo. Ela explica que enquanto os homens trabalham fora dos territórios, são as mulheres que tomam a frente e desenvolvem as atividades que geram renda para a sua comunidade. “Nós temos grupos de mulheres empreendedoras. A gente empreende no artesanato, nos doces, nas geleias, no turismo de base comunitária. A gente empreende de várias formas para captar recursos, investindo na própria comunidade”. explica Bianca.
A líder destaca que mesmo em meio aos saberes de produção e riqueza cultural no quilombo, ainda falta acompanhamento e aporte financeiro. “Como é que a gente faz para administrar restaurante, administrar trilha, administrar grupo de artesanato, grupo culturais, entre outras questões dentro da comunidade? A gente precisa de apoio nisso. E não é só a comunidade quilombola Cruz da Menina que precisa desse olhar de acompanhamento, de orientação. As comunidades quilombolas da Paraíba são muito carentes nessa atenção”, desabafa.
Políticas públicas para os quilombos
Políticas públicas criadas em colaboração do governo federal e da Fundação Cultural Palmares (FCP) foram responsáveis pela inclusão das comunidades quilombolas, como o Programa Brasil Quilombola (PBQ), lançado em 2004, que buscou fortalecer o acesso e a certificação de territórios, assim como o desenvolvimento e inclusão econômica dos quilombolas.
“As políticas para as comunidades quilombolas começaram no governo de Fernando Henrique Cardoso. A gente tem que reconhecer isso. Agora, os programas efetivos e alguns aportes financeiros voltados para as comunidades quilombolas começaram nos dois governos anteriores do Lula”, explica o mestre em História Social, Zezito Araújo.
Também foram de grande relevância o programa ‘Luz para Todos’, criado em 2003, que proporcionou o acesso a energia elétrica em áreas rurais e afastadas das cidades; e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), instituído pela Resolução nº 2.191/1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que incluiu os comunidades quilombolas rurais em 2006 por meio da Lei nº 11.326.
Nos governos seguintes (2009 – 2022), contudo, a promoção de programas e aporte financeiro destinado aos povos quilombolas foi marcada por ambiguidades, com estagnação ou pequenos avanços. Em 2012, durante o primeiro governo Dilma, foi aprovado o parecer que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. Em 2013, foi lançado o Programa de Bolsa Permanência, que oferece bolsas para alunos do ensino superior em instituições federais, incentivando a permanência de grupos vulneráveis, como indígenas e quilombolas.
“Outro elemento que jamais poderemos esquecer, que está beneficiando efetivamente os quilombolas, são as cotas para os estudantes. No Nordeste, nós temos presenciado esse crescimento de estudantes quilombolas e o retorno deles para a sua comunidade. Exemplos para que outros possam ir também às universidades e contribuir para o desenvolvimento social e econômico das comunidades”, afirma o professor universitário e quilombola Zezito Araújo.
No atual governo Lula (2023 – 2026), existe uma retomada de políticas públicas, com a criação do Ministério da Igualdade Racial (MIR) que toma a frente junto com a FCP para novas iniciativas e projetos públicos, como o Programa Aquilomba Brasil (2023).
De acordo com o site do governo federal ‘O programa é uma ampliação do Brasil Quilombola e é composto por um conjunto de medidas intersetoriais voltadas à promoção dos direitos da população quilombola, com ênfase em quatro eixos temáticos: acesso à terra; infraestrutura e qualidade de vida; inclusão produtiva e desenvolvimento local; e direitos e cidadania’.
Diante da retomada de algumas políticas, ainda assim algumas comunidades apontam extremas dificuldades, especialmente sobre a titulação dos territórios e a infraestrutura básica. Para o líder do quilombo Mumbaça, e também coordenador geral das comunidades quilombolas do estado de Alagoas e coordenador nacional da CONAQ, Manuel Oliveira, é preciso ter representantes na política que tenham poder de mudança.
“O governo (federal) encaminha qualquer ação para os municípios e estados. E não faz diálogo com os quilombolas. Tanto é que o governo Lula ainda não recebeu os quilombolas. Ainda não sentou com os quilombolas. Sentou com todos os seus postos, mas não sentou com a CONAQ. Por mais que a gente tenha representantes no MIR, na educação, em alguns ministérios, não adianta ser representante sem ter o poder de mando. Isso também nos dá decepção”, conclui Manuel Oliveira.
Além da contribuição histórica e econômica, grande parte das tradições e da memória coletiva se construíram e se mantiveram a partir de grupos quilombolas que se formaram desde a época colonial e ainda se consolidam nos dias de hoje como parte da estrutura social brasileira. O artesanato, a agricultura e a gastronomia são tradições que não se dissiparam com o tempo, na verdade, estão vivas e latentes nos territórios quilombolas e preservadas pela própria comunidade..."
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