Após uma série de críticas de setores apontados como mais conservadores, falando até de heresia e blasfêmia, nesta quinta-feira, 4, o Vaticano saiu em defesa da bênção a casais homossexuais ou em "situação irregular". O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal argentino Víctor Manuel Fernández, emitiu um comunicado para esclarecer alguns pontos da Declaração Fiducia Supplicans, destacando a diferença entre bênçãos litúrgicas, como a do matrimônio, e bênçãos pastorais, como é o caso.
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No dia 18, foram permitidas bênçãos a casais homossexuais ou em situação "irregular". As reações foram rápidas, como mostrou o Estadão nesta semana: a Conferência Episcopal de Moçambique anunciou que não seguirá a recomendação, algo relevante por envolver pela primeira vez todos os bispos de um país, sob alegação de que abençoar essas uniões "está a provocar no meio das nossas comunidades cristãs, e não só, questionamento e perturbações". Na sequência, a mesma decisão foi tomada em Malauí e Zâmbia (país onde a simples relação homossexual pode ser punida com 15 anos de prisão ou até execução).
Bispos de Angola, Quênia, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Uganda e Zimbábue estão entre os demais clérigos africanos que disseram que não abençoarão casais do mesmo sexo. Uma das mais recentes manifestações foi a do bispo de Moyobamba (Peru), Rafael Escudero, que exortou os sacerdotes de sua diocese a, "dada a falta de clareza do documento", seguirem "a práxis ininterrupta da Igreja até o momento, que é abençoar toda pessoa que pede uma bênção, e não casais do mesmo sexo ou casais em situação irregular".
Breves e simples - Diante das reações e das dúvidas manifestadas, o antigo Santo Ofício afirmou que "A Declaração contém a proposta de breves e simples bênçãos pastorais (não litúrgicas ou ritualizadas) a casais (não às uniões) irregulares". Trata-se de, segundo frisou, "bênçãos sem forma litúrgica que não aprovam nem justificam a situação em que estas pessoas se encontram". Dessa forma, a doutrina a respeito de matrimônio e sexualidade, por parte da Igreja, não sofreu nenhuma alteração.
"A verdadeira novidade", segundo afirmou Fernández, que vêm dando declarações em série a órgãos católicos conservadores reativos ao documento, reside no "convite a distinguir" entre bênçãos "litúrgicas ou ritualizadas" e "espontâneas ou pastorais", que podem ser concedidas a este tipo de relações. Nesse sentido, essas "bênçãos pastorais, para se distinguirem das bênçãos litúrgicas ou ritualizadas, devem antes de tudo ser muito breves".
O "esclarecimento" cita textualmente as conferências episcopais (entidades que reúnem todos os bispos de uma área, região ou País, como ocorre no Brasil com a CNBB). "Permanece importante que estas Conferências Episcopais não sustentem uma doutrina diferente daquela da Declaração aprovada pelo papa, enquanto é a doutrina de sempre, mas sobretudo que proponham a necessidade do estudo e do discernimento para agir com prudência pastoral em um tal contexto."
Qual é a bênção? O Dicastério para a Doutrina da Fé acrescenta até um exemplo do que seria uma "bênção pastoral", na qual o sacerdote formula a oração: "Senhor, olhai para estes teus dois filhos, concedei-lhes saúde, trabalho, paz, ajuda mútua. Livrai-os de tudo o que contradiz o teu Evangelho e concedei-lhes que vivam segundo a tua vontade. Amém". "São 10 ou 15 segundos. Faz sentido negar esse tipo de bênção a duas pessoas que imploram?", indaga o cardeal argentino. "Evidentemente, não há espaço para se tomar distância doutrinal desta Declaração ou para considerá-la herética, contrária à Tradição da Igreja ou blasfema", diz o texto de esclarecimento divulgado ontem.
O texto oficial divulgado pelo Vaticano reitera que cabe a cada bispo local decidir sobre essas bênçãos, e não vê problemas em que isso seja feito apenas de modo privado, e não público. Mas reitera que "a prudência e a atenção ao contexto eclesial e à cultura local poderiam admitir diversas modalidades de aplicação, mas não uma negação total ou definitiva deste caminho que é proposto aos sacerdotes".
Exceção - A Fiducia Supplicans já afirmava que quando a bênção for solicitada por um casal "em situação irregular" nunca poderá ser realizada concomitantemente com os ritos civis de união ou com vestidos de noiva, por exemplo, para evitar qualquer confusão. A Santa Sé especificou, no entanto, o procedimento a seguir nos países onde a declaração da homossexualidade é legalmente penalizada com prisão e, em alguns casos, tortura ou morte. Nestes casos, salienta o ministério ligado diretamente ao papa Francisco, "entende-se que a bênção seria imprudente" e "é evidente que os bispos não querem expor os homossexuais à violência".
Na declaração de ontem, o Vaticano admite que, nos seus aspectos práticos, pode ser necessário "mais ou menos tempo para a aplicação" das bênçãos, segundo os contextos locais e o discernimento de cada bispo com a sua diocese. "Em alguns lugares não existem dificuldades para uma aplicação imediata, em outros há a necessidade de não inovar nada enquanto se toma todo o tempo necessário para a leitura e a interpretação".
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