A maioria dos ginecologistas e obstetras do estado de São Paulo, 94%, afirma que o plano de saúde interfere na autonomia do médico. Os profissionais apontam várias formas de intervenção das operadoras de saúde, que vão desde o não pagamento de procedimentos e consultas até pressão para influenciar o tempo e local de internação do paciente.
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As informações são de um levantamento da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), realizado pelo Datafolha e divulgado nesta quinta-feira (5).
Para a presidente da Sogesp e professora da Faculdade de Medicina da USP, Rossana Pulcineli Francisco, o resultado da pesquisa é preocupante. "A gente não achava que essa interferência na conduta médica fosse tão grande", diz.
A pesquisa entrevistou 604 ginecologistas e obstetras, por telefone, entre 24 de maio a 14 de junho de 2018. A margem de erro é de 4 pontos.
Entre os entrevistados, 78% afirmam que o não pagamento, por parte dos planos, de procedimentos e medidas terapêuticas já realizados é uma das maiores interferências.
Pulcineli cita como exemplo o número de consultas no período final de gestação. "O recomendado pelo Ministério da Saúde e pela OMS, por todos, é ter uma consulta a cada sete dias. Mas a maioria dos planos vai pagar um retorno a cada 15 dias, ou seja, um será glosado [o médico faz e não recebe]", afirma.
Segundo ela, isso pode influenciar a decisão do obstetra sobre quais casos vai aceitar ou não. "O médico pode deixar de fazer pré-natal, por exemplo, ou não aceitar gestantes de risco, que precisam de consultas mais frequentes, muitas das quais o plano não vai pagar", diz.
Outras intervenções comuns listadas pelos especialistas são: restrições a doenças preexistentes (74%) e solicitação de exames e tratamento (73%). Neste caso, médicos podem prescrever procedimentos, por exemplo, que depois não são aprovados pelo plano.
"O profissional solicita um tratamento, mas o plano não libera. Ele é obrigado a substituir por outro mais barato", explica Pulcineli. O mesmo pode ocorrer para cirurgias, como a retirada de um cisto no ovário, afirma.
"O médico pode fazer uma videolaparoscopia, que é menos invasiva, com uma recuperação melhor para o paciente. Mas, por ser mais cara, é substituída por uma cirurgia aberta na barriga, com mais riscos", aponta.
Na pesquisa, 61% dos médicos também relataram restrições a internação de pacientes e, 57%, interferências no tempo de internação ou antecipação de alta. Há também, para 65%, uma pressão para que o médico indique a rede conveniada para a realização dos procedimentos.
"Alguns planos têm o seu próprio hospital, só que nem sempre essa é a melhor opção para o paciente. Se ele paga para poder escolher entre vários centros médicos, isso precisa ser respeitado, é uma questão de direito do consumidor", diz.
Dentre os entrevistados, 72% atendem por planos ou seguros de saúde. No entanto, 67% consideram a qualidade dos serviços prestados pelas operadoras como regular, ruim ou péssima.
A remuneração também é vista como baixa: 61% dos entrevistados pretendem se descredenciar do plano -ou já se descredenciaram nos últimos cinco anos- por considerarem que o valor não compensa.
Além da saúde suplementar, os serviços públicos no estado de São Paulo também foram mal avaliados. 83% dos ginecologistas e obstetras consideram a qualidade do atendimento como regular, ruim ou péssima.
A maioria dos entrevistados, 84%, já atuou no SUS -45% deles mantêm vínculo empregatício com o serviço público. Mas 97% mencionaram problemas para exercer a especialidade no SUS, como falta de valorização dos recursos humanos (69%), falta de equipamentos e recursos médicos (66%) e descompromisso dos gestores (63%).
Procuradas, a Abramge e a FenaSaúde, entidades que representam as operadoras de planos de saúde, não responderam até a publicação desta reportagem. A FenaSaúde afirmou que precisaria avaliar a pesquisa antes de se posicionar.
VIOLÊNCIA NO TRABALHO
A pesquisa também abordou a violência contra ginecologistas e obstetras dentro do SUS. 81% dos médicos já sofreram algum tipo de agressão no trabalho, principalmente verbal (77%) e psicológica (67%), como xingamentos, ofensas e ameaças. Dentre os entrevistados, 15% relataram ter sido vítimas de agressões físicas.
Os motivos mais mencionados para as violências são: a demora no atendimento (40%), casos isolados de destempero (24%), insatisfação com o serviço (15%), ausência de recursos adequados (12%).
Segundo Pulcineli, o percentual de obstetras e ginecologistas que já sofreram agressões "é assustador". "Há uma tendência de se responsabilizar o médico, porque ele representa a instituição, aos olhos da população. Mas os motivos que levam às agressões, mais de 60%, são problemas do sistema e não do médico", afirma ela.
Sobre a demora no atendimento, ela acredita que o tempo das consultas é equivocado. "No SUS, elas são agendadas em intervalos de 15 minutos, mas é muito difícil fazer uma boa consulta em tão pouco tempo. No particular é no mínimo 30 minutos, a maioria leva 1 hora. Então é claro que o médico no SUS vai atrasar", diz.
Mais mulheres De acordo com a pesquisa, as mulheres são maioria entre ginecologistas e obstetras, 60%. Porcentagem que deve aumentar com o tempo, já que as mulheres atualmente correspondem a 84% dos profissionais da área entre 25 e 34 anos.
"Há cada vez mais mulheres nas faculdades de medicina e, principalmente na especialidade de ginecologia e obstetrícia. Também tem aumentado a procura das pacientes por médicas mulheres", diz Pulcineli.
Dentre os entrevistados, 71% atuam como ginecologista e obstetra –só 4% se dedicam apenas à segunda especialidade. Segundo Pulcineli, o interesse pela obstetrícia tem caído. Nesta pesquisa, 14% dos entrevistados deixaram de atuar como obstetras. Para 25% deles, a razão de abandonar a obstetrícia foi a necessidade de estar disponível em período integral. Já 25% dizem que se especializaram em outras áreas. Para 24%, o motivo foi stress, desgaste ou falta de motivação e, para 23%, a remuneração baixa.
"A obstetrícia é mais sacrificante, a imprevisibilidade é maior. O médico precisa estar mais disponível, é como estar de plantão o tempo inteiro", diz Pulcineli. Segundo ela, o sistema de remuneração nem sempre é justo. "Por exemplo, poucos planos pagam ao médico pelas horas de trabalho de parto. E, até pouco tempo atrás, um parto normal pegava menos do que uma cesárea".
Com isso, os profissionais abandonam a obstetrícia cada vez mais cedo, afirma ela. "Antes os médicos reduziam o atendimento como obstetras por volta dos 60 ou 65 anos. Hoje vemos isso acontecer aos 45 ou 50 anos", diz ela, para quem esse processo pode afetar a oferta da especialidade a longo prazo.
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