Para reduzir o abandono da reeducação alimentar, vale colocar no cardápio do paciente alimentos que pareciam distantes do emagrecimento, como hambúrguer, macarronada, brigadeiro e até refrigerante normal. Em vídeos nas redes sociais como o Tiktok, usuários contam sua rotina alimentar e mostram o consumo diário de chocolate e outras guloseimas. O que soa como pouco convencional, entretanto, tem sido cada vez mais corroborado pela ciência.

Um estudo clínico dos EUA conduzido de 2015 a 2019 com 271 adultos com idade entre 18 anos e 65 anos que apresentavam sobrepeso ou obesidade, mas não tinham comorbidades, mostrou que dietas menos restritivas causam maior perda de peso a longo prazo e e diminuem as chances de reganho. Os dados foram divulgados em 2022 na publicação JAMA Network Open.

O trabalho afirma que chamados "alimentos saborosos", que normalmente têm muito açúcar, gordura, sal ou aromatizantes em sua composição, tendem a estimular o sistema de recompensa do cérebro, tornando a contagem de calorias e mudanças comportamentais ineficiente para muitos que precisam emagrecer.

Os voluntários foram divididos em grupos de controle, de abordagem comportamental e de uma nova técnica que regula os desejos por comida. Os comportamentais foram orientados com dietas mais tradicionais e restrição calórica. Já os do grupo regulação não receberam instruções sobre o que comer ou um plano de dieta formal, mas aprenderam a reconhecer sinais de fome, resistir melhor aos desejos e inibir a vontade de comer alimentos saborosos quando não estivessem de fato com fome.

Ao final, os grupos tiveram perda similar de peso, mas os que tiveram menos regras conseguiram estabilizar melhor seu peso, enquanto os demais recuperaram o que haviam perdido após um tempo.

Outro artigo americano, publicado em 2017 no Jornal de Fisiologia, Endocrinologia e Metabologia da American Physiological Society, aponta que o ganho ou perda de peso não é determinado pelos alimentos consumidos, mas pelo número de calorias ingeridas.

Nesta lógica, as dietas podem sim incluir itens saborosos desde que as compensações sejam feitas para ocorra mais gasto de energia que consumo calórico.

A percepção de que dietas muito restritivas prejudicam a manutenção do peso e uma vida saudável, é destaque na área nutricional dos EUA há pelo menos duas décadas.

O estudo "Rigid vs. flexible dieting: association with eating disorder symptoms in nonobese women" (Dieta rígida versus flexível: associação com sintomas de transtorno alimentar em mulheres não obesas, em português) publicado em 2002 na revista internacional Appetite, já mostrava que aqueles que seguem dietas rígidas tendem a ter maior distúrbio de imagem corporal e mais sintomas de transtorno alimentar.

A docente Renata Cintra, do Departamento de Ciências Humanas e Ciências da Nutrição e Alimentação do Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual Paulista), afirma que cardápios com grandes restrições alimentares têm se mostrado pouco eficazes.

"Dietas restritivas realmente levam a uma compensação e a pessoa acaba tendo muitas vezes comportamento compulsivo, ingerindo uma quantidade muito maior do que consumiria normalmente", diz Cintra. A professora afirma que as dietas com mais chances de sucesso são aquelas que levam em conta as características e necessidades de cada indivíduo.

"Quando há uma restrição de alimentos que dão conforto afetivo, as pessoas acabam não adquirindo hábitos adequados, saudáveis. [Por isso] o consumo de quantidades não exageradas, deixar o indivíduo consumir aquilo que ele gosta, pode ser benéfico", pontua.

A regra para incluir esses itens mais calóricos na dieta, segundo a professora, é fugir dos industrializados e do excesso. "Um hambúrguer caseiro, no qual nós sabemos exatamente o que estamos consumindo, sempre vai ser mais adequado", aponta a docente.

Gabriella Rocha Pegorin, nutricionista mestre em Ciências pelo Programa Interdisciplinar em Ciências da Saúde pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), indica que uma dieta só funciona se houver adesão do paciente.

"Se o paciente não consegue aderir a uma dieta por ser restritiva demais ou por não ser condizente com os hábitos de vida e as preferências dele, não haverá sucesso. Seja o objetivo emagrecimento, ganho de massa muscular ou melhora de algum parâmetro nutricional. O ideal é que a gente consiga fazer essas negociações", diz.

A nutricionista concorda com os estudos e afirma que de fato dietas flexíveis trazem melhores resultados na balança e para a saúde mental. Pegorin afirma que receitas adaptadas -com diferentes tipos de farinha, açúcar ou adoçante- podem ser mais calóricas do que a versão tradicional.

"O ideal é, se está com vontade de comer um doce, coma, porque você acaba comendo mais do que comeria se realmente tivesse seguido o seu desejo. Por exemplo, quero um brigadeiro, mas busco uma receita fitness na internet. Daí como uma panqueca de banana que tem 200 calorias, depois uma fruta, e nenhum desses outros alimentos fazem a vontade passar", afirma a nutricionista.

Para quem vai incluir doces na dieta, a dica é não ultrapassar o máximo de 10% das calorias diárias totais com itens com açúcar. "Posso consumir todas as minhas calorias em refrigerantes, pizza, hambúrguer, chocolate? Não. Porque dessa forma a gente não conseguiria atingir as nossas necessidades de nutrientes, não seria uma dieta saudável", pontua Pegorin.

Ana Pacheco, nutricionista clínica esportiva, prescreve até refrigerante normal para quem tem muita compulsão pelo alimento, mas precisa emagrecer. Pós-graduada em Nutrição Esportiva e Obesidade pela USP (Universidade de São Paulo), a profissional destaca que a flexibilidade da dieta deve sempre ser estabelecida a partir do perfil do indivíduo.

"Essas recomendações a gente faz para indivíduos saudáveis, uma pessoa que não tem nenhuma condição de saúde pré-existente. As orientações não contemplam indivíduos com diabetes, pressão alta, colesterol alterado", afirma Pacheco.