COB retoma preparação olímpica e quer recuperar desvantagem emocional

Publicado em 20/07/2020, às 09h30
Rafael Bello/Divulgação
Rafael Bello/Divulgação

Por Daniel E. De Castro/Folhapress

Enquanto ninguém pode cravar que a Olimpíada de Tóquio, adiada por causa da pandemia de Covid-19, será mesmo realizada na metade do próximo ano, atletas e entidade esportivas tentam se afastar das incertezas e trabalhar com apenas um cenário em mente: o de que os Jogos terão, sim, início em 23 de julho de 2021.

Nesta segunda-feira (20), no Rio de Janeiro e em Portugal, dois passos importantes começarão a ser dados nesse sentido.

Na capital fluminense, o COB (Comitê Olímpico do Brasil) reabrirá o seu centro de treinamento na Barra da Tijuca, fechado desde 18 de março, com no máximo 40 atletas simultaneamente na instalação. Eles terão que seguir o protocolo sanitário elaborado pela entidade. A prioridade será dada àqueles que já garantiram vaga para Tóquio ou estão próximos da classificação.

Do outro lado do Atlântico, os 72 representantes de seis modalidades (boxe, ginástica artística, ginástica rítmica, judô, nado artístico e natação) que integram a primeira leva da chamada "Missão Europa" do COB também começam a treinar (alguns iniciaram domingo), após desembarcarem em Portugal no sábado (18) e passarem por mais um teste de coronavírus -os primeiros, realizados ainda no Brasil, impediram pelo menos cinco atletas de viajar.

Para o diretor de esportes do COB, Jorge Bichara, além da preocupação técnica com profissionais de alto rendimento que não treinam em condições ideais há mais de quatro meses, a retomada da preparação tem o objetivo de fornecer um equilíbrio emocional para os brasileiros.

Nos últimos meses, eles viram muitos de seus concorrentes a possíveis medalhas voltarem a uma certa normalidade na rotina de preparação, enquanto, devido à situação do Brasil na pandemia (segundo país com mais mortes pela Covid), não podiam fazer o mesmo.

"Precisamos trabalhar para que o atleta brasileiro não se sinta em desvantagem. Não apenas no quesito técnico, mas também psicológico. Estamos atrás de alguns países e precisamos retomar nossa condição de preparação para algo que é um objetivo de carreira e de vida. Passar para eles que o Brasil pode chegar aos Jogos em condição de igualdade", afirma Bichara à Folha de S.Paulo.

Segundo o diretor, muito se comenta no meio esportivo a respeito dos países que conseguiram "trancar" suas equipes para continuar treinando sem nenhuma paralisação significativa desde o início da pandemia.

hina, Rússia, alguns países europeus e africanos e até mesmo os Estados Unidos, nação mais afetada pelo coronavírus em números absolutos, tiveram em alguma medida sucesso nessa estratégia.

A base escolhida pelo comitê em Portugal é o complexo esportivo de Rio Maior (a 75 km de Lisboa), mas os participantes da missão também se espalharão por outras três subsedes: Cascais, Coimbra e Sangalhos. Até o fim do ano, a previsão é que mais de 200 atletas brasileiros de diferentes modalidades passem pela Europa, a um custo estimado pelo COB de até R$ 13,7 milhões.

O objetivo de desembolsar esse valor para treinar em outro país, segundo o comitê, é dar aos atletas uma garantia de que lá eles terão mais previsibilidade, pois estarão sujeitos a menos mudanças nas condições de treino impostas pelo avanço da pandemia.

"Pagamos por demanda, não é um valor fechado", afirma Bichara. "Fizemos cotações na Espanha, Holanda e França, e os centros que estavam abertos para estrangeiros tinham custo mais alto do que o de Rio Maior."

Portugal, que até agora registrou 48.636 casos da Covid-19 e 1.689 mortes em decorrência da doença, foi um dos primeiros países da Europa a flexibilizar as medidas de distanciamento social. A pequena Rio Maior, por exemplo, acumula dez casos.

O processo para obter a liberação de viagem, já que atualmente a União Europeia não autoriza a entrada de quem vive no Brasil em seu território, não foi simples. O COB contou com a ajuda do Comitê Olímpico de Portugal para que o governo desse o aval dentro de exceções previstas na legislação para atividades profissionais. Mesmo assim, teve seu planejamento atrasado em meio às negociações.

"Não queríamos que fosse visto como um jeitinho, mas que a condição da missão fosse equiparada a uma das possibilidades existentes", diz Bichara. O comitê brasileiro já tem contrato com o centro de Rio Maior para utilizá-lo como base antes dos Jogos de Paris-2024.

Mesmo entre as modalidades selecionadas para viajar a Portugal nesse primeiro momento, a viagem não foi compulsória. Entre os principais atletas do país, os nadadores Etiene Medeiros e Bruno Fratus, o ginasta Arthur Nory e o judoca David Moura foram alguns dos que declinaram do convite, por diferentes razões.

O diretor do COB ressalta que cada modalidade olímpica é um universo, e por isso elas requerem planejamentos diferentes. Os canoístas Isaquias Queiroz e Erlon Souza, por exemplo, que treinam em certa condição de isolamento na cidade de Lagoa Santa (região metropolitana de Belo Horizonte), conseguiram cumprir suas 46 semanas de ciclo de trabalho e, na ausência de Olimpíada, estão indo para as férias. Já na ginástica, muitos passaram quatro meses sem ver um ginásio.

Diante de muitas dúvidas financeiras, técnicas e emocionais que pairam sobre o planejamento para os Jogos de 2021, Bichara tenta seguir uma receita que envolve doses de desprendimento: "A primeira condição é ter serenidade e paciência para você poder planejar muita coisa, ter o máximo de detalhamento possível e na semana seguinte perder tudo. Tem que ser flexível e se adequar".

"Temos nos que preparar para que tenham os Jogos, porque não adianta se mexer só lá na frente, quando os custos terão aumentado, e a qualidade do serviço, diminuído", afirma o dirigente, para quem abril do próximo ano será o limite para uma decisão definitiva sobre a realização ou não da Olimpíada de Tóquio.

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