A pandemia mudou a cultura de trabalho, dando a muitos funcionários a oportunidade de trabalhar em casa pela primeira vez.
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E, para alguns, não estar preso a um escritório significa poder se mudar para uma cidade diferente ou até mesmo para um novo país.
Desde 2020, pelo menos 30 nações começaram a oferecer vistos de nômade digital, no modelo chamado "anywhere office" ("escritório em qualquer lugar", em tradução livre).
A questão, porém, começa a ficar mais complexa quando os funcionários deixam de informar as empresas que estão viajando — ou mesmo que se mudaram definitivamente de país.
É o caso de Diego*, que foi morar na Itália em 2019 e lá começou em um emprego na área de atendimento ao cliente de forma 100% presencial. Com a pandemia, seu cargo passou a funcionar integralmente em home office.
Ele voltou ao Brasil em outubro de 2021 – mas até hoje nunca contou a ninguém da empresa.
A decisão de manter seu "anywhere office" às escondidas, diz ele, se deve ao fato de existir uma lei na União Europeia em que não se pode ter serviços de call centers fora dos países do grupo.
"A questão de receber em euro [daqui do Brasil] também foi um grande fator para mim. Mas o grande motivo de voltar foi que estava entrando em depressão na Europa. Eu não estava muito feliz, a Itália tem uma população muito idosa e sentia saudades do Brasil", conta o jovem.
Um dos artifícios que Diego utiliza para não haja desconfiança da empresa é ter dois celulares: um com o número do Brasil e outro com código italiano. "Também ninguém do trabalho tem minhas redes sociais, nunca passei para ninguém, nem quando trabalhava presencialmente".
Todavia, o maior cuidado, afirma ele, tem que ser em relação à jornada de trabalho, pois é necessário sempre calcular o fuso horário no momento de cumprir as demandas.
O local de trabalho ainda importa?
Uma pesquisa realizada pela consultoria de RH Topia revelou que até 40% dos profissionais de gestão de pessoas do Reino Unido e dos Estados Unidos descobriram que os funcionários tinham se mudado recentemente.
Na mesma pesquisa, 66% dos funcionários nos Estados Unidos admitiram que não informaram o RH sobre todos os períodos que trabalharam fora do local de origem e 94% acha que deveriam poder trabalhar de qualquer lugar se isso não afetar a entrega do trabalho.
Segundo Tais Taiga, job hunter (profissional que aconselha sobre mudanças de emprego e carreira) e especialista em recolocação, muitas empresas ainda têm uma cultura muito forte de microgerenciamento do profissional, querendo saber de onde o funcionário trabalha.
"Essa questão de ter o trabalho presencial, muitas vezes, vai fazer com que as empresas percam grandes talentos. Outro ponto é que o Brasil pode perder profissionais: muitos países estão abrindo suas fronteiras para trabalhadores estrangeiros, países esses com moedas mais fortes e modelos mais flexíveis".
Para Karen*, que assim como Diego exerce sua função do Brasil sem que sua empresa europeia saiba, um grande fator positivo é a flexibilidade de horários que seu trabalho permite.
Como não é registrada — atuando em um modelo similar ao freelancer — ela não sentiu que devia a satisfação de avisar a empresa de onde estava trabalhando.
Mas, ainda sim, toma seus cuidados: possui dois números de telefones e mantém as redes sociais longe dos colegas de trabalho.
Karen diz que tem a intenção de continuar por muito tempo na empresa.
E, apesar de ter que trabalhar muitas vezes de madrugada por conta do fuso horário, ela não vê isso como algo ruim: "Tenho muito tempo do dia livre, talvez se eu quisesse voltar para a faculdade ou pegar meio turno de trabalho em outro lugar não seria um problema".
O fluxo de horas da trabalhadora depende da época do ano e, mesmo nos meses de menor demanda, Karen diz que o salário ainda compensa se comparado ao de um operador brasileiro.
"Aqui no Brasil, consigo ter uma qualidade de vida melhor do que morando na Europa com o mesmo salário".
Tanto Diego como Karen acreditam que não seriam demitidos se seus chefes descobrissem que estão há mais de um ano no Brasil. Mas, em todo caso, não querem arriscar.
Sou obrigado a contar para o meu chefe de onde estou trabalhando?
Para Juliana Inhasz, professora de Macroeconomia e Macroeconometria do Insper, a pergunta acima depende do contrato de trabalho vigente.
Se o contrato de trabalho prevê que a pessoa trabalhe presencialmente, ainda que a empresa tenha em algum momento permitido o trabalho remoto, ela continua sendo um trabalhador presencial.
Por isso, caso haja uma troca de modelo, a pessoa deve pedir um aditivo no contrato, assim — se não houver nenhuma obrigação presencial — ela tem o livre direito de se mudar de cidade ou até mesmo de país, comenta a professora.
"Quanto mais a gente aprofundar essa ideia de trabalho realmente remoto e, principalmente, o que é entendido como remoto pelos dois lados da relação, maior fica essa flexibilidade".
Juliana aponta que cada país tem a sua legislação trabalhista vigente, por isso, é preciso ficar atento.
Algumas empresas podem estar sujeitas a impostos adicionais se os funcionários passarem um determinado período de tempo — geralmente mais da metade do ano — em outro país.
Além disso, também podem enfrentam multas se os funcionários trabalharem no exterior sem a permissão de trabalho adequada.
Para evitar esse risco, juntamente com as preocupações com segurança cibernética e segurança, muitas empresas proíbem os funcionários de trabalhar no exterior.
"A pessoa pode estar fazendo com que a empresa esteja incorrendo em erros trabalhistas, mas na verdade por puro desconhecimento", esclarece a especialista.
"Estamos falando dessa questão quando há contrato, mas é muito comum vermos cada vez mais a pejotização [referência ao termo "PJ", ou pessoa jurídica, quando trabalhadores que são terceirizados e emitem notas fiscais aos empregadores como empresas]. Ela não teria essa obrigação, seria autônoma. Nesse caso, só precisa fazer as declarações de imposto das prestação de serviços entre as partes e entender como funciona a declaração do outro país".
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