Jornalistas e profissionais ligados ao futebol debateram hoje (19), na Câmara dos Deputados, o retorno dessa prática desportiva, em meio à pandemia do novo coronavírus. A polêmica colocou, de um lado, dirigentes e representantes de clubes apontando os protocolos adotados como seguros, e, de outro, jornalistas afirmando que a decisão pelo retorno demonstra que o interesse econômico está prevalecendo, em relação à preocupação com a propagação da doença.
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Ao iniciar sua fala, o secretário-geral da Confederação Brasileira de Futebol, Walter Feldman, informou que foi assinado um contrato de direitos internacionais que possibilitará a exibição das Séries A e B do campeonato brasileiro para 84 países, e que, por isso, “recursos internacionais entrarão” no país por conta do futebol. Segundo ele, esses recursos serão obtidos da forma mais segura possível, uma vez que tem por base decisões técnicas conjuntas que incluem um “protocolo médico, com estudos de mais de 140 médicos para conceber aquilo que significasse retorno com segurança e responsabilidade em saúde para todos”, e um relatório que foi aprovado por Ministério da Saúde e por entidades de profissionais da saúde.
“Tivemos alguns casos importantes, como Goiás e CSA [que tiveram parte de seus elencos contaminados pelo covid-19], mas todos foram trabalhados com muita responsabilidade e com a segurança máxima”, disse o secretário da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). De acordo como diretor-médico da CBF e coordenador do protocolo nacional, Jorge Pagura, além de ouvir 143 médicos para montar o protocolo, a entidade fez seis consultorias com infectologistas. “Temos ainda consultoria permanente. Assim conseguimos aliar todos profissionais de clube com profissionais da ciência, que são os que decidem os impasses, porque em medicina sempre temos casos que são passíveis de discussão”, disse o representante da CBF.
Entre as medidas adotadas citadas pelo médico da CBF está a “ampla programação de testagem”. Ele explicou que o protocolo adotado tem cinco fases: de testagem, de treinos individuais; treinos coletivos; competição; e acompanhamento, que é o que está sendo feito já com o campeonato brasileiro em andamento. “Poucos municípios fizeram o número de testagem que fizemos”, disse Pagura, ao informar que antes de o campeonato começar foram aplicados 1.300 testes para detectar covid-19, resultando em 74 resultados positivos, o que dá uma média de 5,69% de infectados. Na segunda rodada foram 1.400 testes. Destes, 1,8% teve resultado positivo. E na terceira rodada foram quase 1.500 testes, dos quais cerca de 1% (16 casos) tiveram resultado positivo para o vírus. “Isso representa uma queda de 5,69% para cerca de 1%”, argumentou.
Segundo ele, um dado muito importante foi o de que “não houve [até o momento] nenhum indício de contaminação de atleta durante o jogo”.
O presidente do Clube de Regatas Flamengo, Rodolfo Landim, também elogiou os protocolos adotados. Segundo ele, a medida mais importante foi a de testar todos os atletas e profissionais envolvidos, bem como seus familiares. “Depois que começamos a colocar todos esses protocolos e orientações a profissionais, praticamente inexistiram novos casos. Tivemos apenas um caso envolvendo jogador, mas foi de um desvio do que foi esperado, e terminamos o campeonato carioca com enorme sucesso”, disse o dirigente.
Na avaliação do chefe do Departamento Médico do Flamengo, Marcio Tannure, “o futebol representa uma ótima oportunidade para estudar a doença, porque foi um dos primeiros segmentos a retornar [suas atividades], a começar pela Europa”. “A gente poderá ter estudos para entender como a coisa acontece. Com a evolução da doença, passamos a ter segmentos e incidências diferenciados por faixas etárias, tipos de atividades laborais e diferentes comorbidades”, disse ao informar que “não houve nenhum caso de evolução da doença” entre os profissionais praticantes desse esporte.
Jornalistas criticam postura de dirigentes
“Realmente estamos vivendo tempos muito estranhos”, disse o jornalista Juca Kfouri ao iniciar sua fala lamentando o fato de não ter ouvido, de nenhum dos participantes, qualquer menção sobre os 110 mil mortos no Brasil em decorrência do novo coronavírus.
“Parece que participo de uma comissão na Finlândia. Tudo róseo, como se tudo estivesse bem; como se fôssemos um exemplo, e não um epicentro dessa doença. Vivemos uma situação de normalização da morte”, ressaltou o jornalista esportivo. “Isso é estarrecedor porque não se discute o que se sinaliza para a sociedade com o fato de o futebol ter voltado. Vá explicar para uma criança que ela não pode ir ao parque jogar futebol, enquanto seu time joga [no estádio]”, argumentou.
Segundo ele, é “evidente” que a situação agrava o problema dos clubes de futebol do país. “Mas é importante salientar que não é este o problema da maioria esmagadora de nossos clubes. Eles já vinham assim, como vinha também a economia brasileira. Estamos vivendo os tempos das mentiras e dos sofismas”, disse. “Achamos um absurdo pensar em paralisar o futebol no Brasil, quando as Olimpíadas, que é o maior evento esportivo do planeta, foi adiado por um ano com todos os prejuízos que isso significa”, acrescentou.
“Curiosamente, também não se ouviu falar aqui que, diferentemente do que aconteceu em todos lugares onde o futebol voltou, no Brasil um clube saiu de São Paulo e foi a Goiânia, entrou em campo, e só ali soube que não ia jogar porque 8 dos 11 titulares [do time adversário] estavam contaminados. Também não ouvi que, na Série C, a equipe de Imperatriz foi do Maranhão até Campina Grande, na Paraíba, e ao chegar soube que 12 de seus jogadores estavam contaminados. E que, ainda assim, quiseram fazê-los jogar”, disse Kfouri.
Ele citou, ainda, os casos do CSA, time que “foi obrigado a jogar tendo uma porção de jogadores contaminados”, e o do Ypiranga, do Rio Grande do Sul, que ao chegar em Santa Catarina, após 11 horas de viagem parando em restaurantes na estrada, soube que os testes feitos tinham dado a contaminação de seis atletas.
“A Argentina até agora não voltou ao futebol. Autorizou essa semana a volta aos treinamentos. A Argentina tem 6 mil mortos e 300 mil casos. O Brasil, eu repito, tem 110 mil mortos e mais de 3 milhões de casos. E nossos atletas estão em voos de carreira de norte a sul; de leste a oeste, não só se expondo como expondo outras pessoas a serem contaminadas. Então me parece que estamos fazendo uma brincadeira mórbida e trágica com a vida das pessoas porque a economia não pode parar; porque os direitos de transmissão têm de ser pagos; e porque os patrocinadores estão reclamando”, acrescentou.
Também convidado para participar da audiência, o jornalista Benjamin Back disse ter ouvido reclamações de integrantes da equipe médica do Corinthians, de que “não estariam sendo ouvidos pela equipe técnica da CBF”. Na avaliação do jornalista, o campeonato brasileiro “até poderia ter voltado”, mas em outro formato, diferente da atual disputa, em 38 rodadas; “sem muita pressa e com seus protocolos revistos”.
Para o jornalista Gilson Ricardo, os campeonatos de futebol no Brasil começaram precipitadamente e seus protocolos são visivelmente desrespeitados até na comemoração dos gols, quando os jogadores se abraçam. “Além disso há torcedores fora do estádio acompanhando os jogos [de forma coletiva]”, acrescentou.
A preocupação de Ricardo é corroborada pelo presidente da Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil, Alex Sandro Gomes, mais conhecido como Minduin. “A grande questão que fica para nós, torcedores, é a questão das consequências, porque tem os torcedores que se aglutinam para ver os jogos de seus times, quando transmitidos”. Segundo ele, o esporte perde muito do seu brilho, quando praticado em estádios vazios. “Temos de levar em consideração que o futebol sem torcedor não é futebol; e que o futebol em tempos de pandemia não pode trazer alegria”, argumentou.
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