A PELE QUE HABITO

HISTÓRIAS DE QUEM TEM A PELE E A VIDA MARCADAS PELA PSORÍASE PUSTULOSA GENERALIZADA

POR GILSON MONTEIRO | 03/08/23 - 13h36

2007: “Começou como uma ‘alergiazinha’. Até o final do ano eu já estava com o couro cabeludo tomado pela psoríase, parte da barriga e braços”.

2010: “Eu não via mais a minha pele. Eu tenho tatuagem nas pernas, eu não via. E começou a me dar desespero”.

2023: Eu estou com um corpo 100% limpo. É até curioso porque eu fico me alisando, eu fico passando a mão no corpo procurando as lesões e não tem. Então eu sinto a minha pele”.

O “diário” acima resume muito suscintamente uma história de dores físicas e emocionais na vida do jornalista e cozinheiro de 37 anos, Gabriel Castaldini e de outros brasileiros que convivem com a Psoríase Pustulosa Generalizada, a PPG, forma grave e rara de psoríase, que afeta apenas 9 em cada 1 milhão de brasileiros.  Castaldini contou ao TNH1 que, no auge de uma crise precisou voltar da França, onde foi morar, porque as baixas temperaturas agravavam os sintomas. De volta ao Brasil, chegou a ter dificuldade de conseguir emprego, e também viu seu amor pela gastronomia ser prejudicado pela doença.

Descamação severa da pele, pústulas e uma série de outros sinais e sintomas que afetaram o jornalista transformam a pele – maior órgão do corpo humano - em uma espécie de camisa de força, levando essas pessoas a se isolar socialmente ou reduzir drasticamente a convivência em público. Marcas que estigmatizam, fragilizando a saúde mental e consequentemente a qualidade de vida dos pacientes.

Assim como Gabriel, o consultor financeiro Carlos de Paula, que também conversou com a reportagem, já conheceu crises severas da doença, chegando a ficar 10 dias em uma UTI, com um quadro que quase o levou à morte.

Nesta reportagem especial, o TNH1 coloca a PPG em pauta, contando histórias de quem convive com uma doença rara, e que, por isso mesmo, ganha menos atenção das autoridades em saúde e do público em geral. Em um "ecossistema mais restrito" para troca de vivências com outros pacientes, os portadores de PPG podem acabar tendo sequelas não apenas físicas, mais emocionais. Como diz a psicóloga Hericka Zogbi, "as doenças de pele têm um simbolismo muito importante na psicologia, porque a pele é o nosso primeiro órgão de relação. Uma doença que afeta a pele acaba impactando nessa imagem corporal que temos". 

Mas embora ainda não haja cura, os pacientes podem ter uma vida normal. Como comemora Gabriel lá no início do texto. Não à toa ele chegou à semifinal de um reality show de gastronomia na Rede Globo, em 2021, em uma bela história de superação.

PPG - PRIMEIRAS INFORMAÇÕES 

Por ser uma doença rara, há menos informações sobre a PPG na internet, por exemplo, do que sobre doenças de maior incidência. Mas já  existe um bom material de pesquisa, que pode trazer informações esclarecedoras. Mesmo a Inteligência Artificial já traz uma definição bastante clara. Confira: 

CAUSAS E GATILHOS

Segundo os estudos, a PPG tem como possíveis causas a predisposição genética, precipitados por fatores de comportamento ou ambientais.  "A resposta está na genética. Há quatro genes que são prevalentes nos pacientes com PPG, mas não temos, ainda, um teste, do ponto de vista comercial, que possa identificar se a pessoa tem esses genes.  É uma interação da predisposição genética com ativação da imunologia. Tentando explicar de forma mais simples, o sistema imune do indivíduo ele passa a entender que ele precisa dar conta de uma inflamação, e começa a fazer mais e mais inflamações", explicou ao TNH1, o Dr. Dimitri Luz, titular  da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).


Os pacientes ouvidos pelo TNH1 têm em comum a demora entre os primeiros sintomas e o diagnóstico.  “Os pacientes chegam muito ansiosos e cansados da procura por um dermatologista que trate a doença, pois existem médicos que não conhecem a PPG, não fazem o diagnóstico correto ou o fazem mas não tem uma terapêutica que de fato leve uma melhora importante. Então ele se sente ansioso de saber se vai ser o último médico que ele vai se consultar, de conseguir manter um laço, pois eles já vêm de muitas outras consultas, não só dermatologistas, mas do infectologista, clínicos etc”, explica o Dr. Dimitri, que tem mestrado com ênfase em psoríase. 

VIVENDO COM PPG: AS HISTÓRIAS DE GABRIEL E CARLOS

Após conhecer um pouco mais sobre a doença, a compreensão da gravidade é ainda maior quando conhecemos quem convive com a PPG. As histórias do jornalista Gabriel Castaldini e do consultor financeiro Carlos de Paula mostram como os sinais e sintomas da doença atingem pele e "alma", afetando também a saúde mental dessas pessoas. 

Quem assistiu à 4ª edição do reality show Super Mega Burguer, da EPTV, grupo regional de São Paulo da Rede Globo, acompanhou a destreza do jornalista Gabriel Castadini com as panelas. A competição foi também um momento de superação para ele, após tortuosos momentos em que viu sua saúde fragilizada pela PPG. Por um momento, seu talento para a cozinha, e para o jornalismo, foram deixados de lado, por conta das severas crises da doença, 

“Lembro que começaram a aparecer algumas lesões bem pequenas nos cotovelos. E parecia uma alergiazinha. Isso foi no início de 2007. Até o final do ano eu já estava com o couro cabeludo tomado pela psoríase, parte da barriga e braços. Comecei a procurar médicos em Ribeirão Preto. Mas não encontrei o diagnóstico certeiro de imediato. Havia a suspeita”, conta, lembrando que chegou a ter 85% da pele tomada por lesões.

“Então quando eu estava morando na França chegou o inverno e eu tive 85% do corpo tomado por lesões. Ainda não era a pustulosa [PPG], era só aquela escama prateada que ficava parecendo um papel camurça. Eu não via mais a minha pele. Eu tenho tatuagem nas pernas, eu não via. E começou a me dar desespero”, relembra, angustiado.

Em consulta com um dermatologista na escola onde estudava na França, é que veio o diagnóstico. “Comecei fazendo um tratamento com pomadas e foi amenizando. Só que conforme a temperatura caía, ia se agravando. E então a minha pele começou a rachar, a criar aquelas lesões cheia de sangue, tinha muita dor. A minha intenção era fazer a minha vida lá [na França], só que por conta da psoríase, que se agravava, resolvi voltar para o Brasil”, lamenta.

Depois de muitas medicações e tratamentos alternativos como fototerapia e terapia holística, há 3 anos, o jornalista começou a ter os sintomas da PPG. “Nunca fiquei totalmente limpo, mas achei que tivesse controlado a doença. Mas aí há três anos veio a psoríase pustulosa [PPG]. Formavam-se feridas enormes na barriga, no peito, mas principalmente nas pernas, com muito pus. A impressão que dava é que eu tinha apanhado com uma barra de ferro quente. Porque além de ficar muito roxo, em volta criava-se uma um círculo de pus. E doía muito. Doía pra andar, doía pra colocar roupa, doía pra me movimentar. Se eu ficasse muito tempo na mesma posição e fosse levantar era de berrar de dor”, conta Gabriel, relembrando momentos muito difíceis.

PRECONCEITO QUE GERA ANSIEDADE - Mesmo não estranhando que as lesões causassem certa repugnância nas pessoas, Castaldini conta que o preconceito provoca o isolamento social, deixando a saúde mental do paciente muito fragilizada. “Quanto ao preconceito já sofri bastante, principalmente durante as crises. É estranho falar, mas nem tenho como julgar a pessoa que tinha preconceito. Porque a crise da PPG é muito feia. Quando vinha a crise, esquece... É dor, é choro, é ranger de dentes. As feridas são horrendas. Às vezes sangra. Qualquer pessoa que vê aquilo vai se assustar”, observa.

“Mas óbvio que isso me incomodava, me deixava péssimo. Porque eu tinha ansiedade por conta do preconceito e a ansiedade agravava a psoríase. Era uma coisa insuportável parecia um circulo vicioso sabe? O preconceito causava ansiedade, a ansiedade trazia mais o pico da doença”, diz.

ENTREVISTA DE EMPREGO E ISOLAMENTO SOCIAL

Gabriel conta com a PPG o prejudicou em alguns momentos na hora de buscar emprego, e acabou o afastando do convívio social. “Durante uma entrevista de emprego, em uma emissora grande de TV, não vou citar nome, o entrevistador só olhava pras minhas feridas. Não olhava no olho, não estava nem aí pra meu currículo. Ele estava olhando pras minhas feridas. E óbvio que eu não fui chamado para a vaga”, lamenta.

“Também faço eventos de gastronomia e às vezes eu tinha uma lesão na testa ou qualquer lugar visível, Além do preconceito, tinha um nojo. Eu percebia que as pessoas não queriam nem chegar perto da minha comida por conta daquilo.

E na vida pessoal, as saídas em grupo começam a diminuir. Seja para evitar lidar com o preconceito, seja por essas ausências o colocarem como "o cara isolado que não gosta de sair". 

Eu não conseguia ir em festa, não conseguia socializar, ir pra barzinho, festa de aniversário, por conta da dor, e às vezes por vergonha também. Aí tinha aquele preconceito de me convidar, começaram a me excluir. E quando eu paro pra lembrar, principalmente agora que eu estou pensando nisso, é algo que ainda dói”, lamenta.

FINALMENTE, O CONTROLE DA DOENÇA - Após um luta para liberação de uma droga pelo sistema público de saúde, ele comemora o controle da PPG. “ Agora já faz um ano que tomo essa medicação, não tive mais crise. Ano passado eu estive na Europa no auge do inverno e nem essa baixa temperatura fez a psoríase voltar”, respira, aliviado.

“Nos momentos em que a doença dá uma trégua é vida normal. É como se você nunca tivesse tido a doença, a sua pele tá boa, você não sente dor. Agora, com essa droga que eu estou tomando, nem rebote eu tive. Eu estou com o corpo 100% limpo. É até curioso porque eu fico me alisando, eu fico passando a mão no corpo procurando as lesões e não tem. Então eu sinto a minha pele”.

CARLOS DE PAULA: DOENÇA O LEVOU À UTI

Carlos de Paula, hoje com 48 anos, 26 deles convivendo com a psoríase. Mas foi há seis que teve sua pior crise. Foram 47 dias internado, 10 deles na UTI. Foi quando veio o diagnóstico da PPG. “É muito difícil você ser internado por uma doença de pele. Eu achando que ia regredir facilmente, mas começou a piorar. Foi ali que eu conheci a PPG”, conta o consultor jurídico que, estando com praticamente 100% da pele comprometida pelas pústulas, chegou a correr risco de morte.

“O Diagnóstico foi muito importante. Temos que agir rápido, se é caso de internação ou não, pra que a gente consiga entrar um tratamento. Como ela [a PPG] é aguda, ela pode tomar uma gravidade muito rápido e ter que ficar internado novamente e correr risco de morte de novo”, contou Carlos, ao TNH1.

Ciente de que ainda não há cura, Carlos faz uma analogia que explica bem o que é conviver com PPG. “Imagina um mar, transparente, mas que lá por baixo tem os corais. Eles estão ali, quer dizer, a doença está ali. Quando vem a crise, eu faço uma correlação com o vulcão borbulhando, é algo muito abrupto. A PPG ela explode mesmo, aquela sensação de centenas de espinhas doloridas e tudo mais”, relata.

Mas sempre buscando informação e tratamento, assim como Gabriel, ele garante que consegue ter qualidade de vida. “Eu procuro pensar que minha vida é normal, em qualidade de vida. Temos que ser positivos, nunca devemos nos vitimizar” alerta.

“É uma doença que eu vou conviver com ela, mas talvez não morra dela, né", diz, num pensamento otimista sobre a doença. 

CARLOS: "A GENTE SE ENFRAQUECE MENTALMENTE"

Sobre a saúde mental, para Carlos, a grande saída é buscar tratamento e informação. “A gente se enfraquece psicologicamente, se abate. Tem pessoas que convivem há muitos anos e às vezes não tem informação e se fecham, tem vergonha de perguntar, às vezes até demoram a buscar um médico, e a coisa vai se potencializando", alerta.

“A PPG ela me trouxe o entendimento que a jornada das pessoas pode ser menor. O amor pelo próximo, poder levar a minha história para ajudar outras pessoas, isso me conforta muito. Isso me mostrou minha missão, que Deus coloca na nossa vida e temos que tirar o melhor delas. Nada como como a clareza das informações pra poder fazer com que as pessoas possam ter uma qualidade de vida”, aponta.

SAÚDE MENTAL: DO ISOLAMENTO SOCIAL A DISTÚRBIOS PSICOLÓGICOS

As histórias de Gabriel e Carlos contadas nesta reportagem são exemplos reais das consequências da PPG. O isolamento social é algo quase inevitável durante as crises mais severas, a julgar pelas histórias narradas, mas que precisa de acompanhamento psicológico.  

Hericka Zogbi, Doutora em Psicologia Clínica, que já tratou de pacientes com PPG, explica que as doenças de pele são mais estigmatizadas por desconstruírem a imagem corporal que temos, considerando que a pele é o nosso primeiro órgão de relação que temos uns com os outros.  

“As doenças de pele tem um simbolismo muito importante na psicologia, porque a pele é o nosso primeiro órgão de relação. Os cuidados que se têm desde que somos bebês, ou seja, o carinho, dar banho, o colo são cuidados relacionados à pele. É pele com pele. Com isso, uma doença que afeta a pele acaba impactando nessa imagem corporal que temos”, afirmou a psicóloga à reportagem.

Drª Hericka observa que a pele é como uma espécie de “canal de comunicação”. “A pele é algo que marca. A cicatriz marca, a tatuagem marca, uma doença como a PPG marca. A pele comunica”, explica.


CONFINAMENTO E DEPRESSÃO - Ela afirma que uma doença estigmatizada como a  PPG traz danos, como os físicos e emocionais, que prejudicam a qualidade de vida do paciente. Daí o confinamento e depressão podendo ser as consequências, se o paciente não buscar tratamento, inclusive psicológico. 

“A PPG é uma doença estigmatizada, pois inicialmente sempre se acha que é algo contagioso. Ou pode ser vista como falta de higiene, por exemplo. Tive pacientes que sentiam uma sensação de nojo deles mesmos. E isso, claro, impacta na qualidade de vida. E uma doença de pele como a PPG ela traz danos físicos, sociais, ambientais e emocionais, que são os fatores que compõem o conceito de qualidade de vida. A PPG afeta fortemente esses aspectos”, alerta a psicóloga.

'Habitando" uma pele que os maltrata e os isola, a necessidade de acompanhamento psicológico é quase que obrigatória, para evitar problemas maiores, como quadros depressivos, síndromes do pânico e fobias. 

“A Psoriase sempre tem um impacto muito maior  do que outras doenças de pele. A a PPG ainda mais.  Os pacientes acabam tendo muitas limitações, por conta de todos os sintomas, e com isso reduzem a visa social, e laboral. E  partir daí há uma queda na qualidade de vida. E com isso aparecem outras doenças psicológicas, como quadros de ansiedade, depressão, e até mesmo, eventualmente, síndrome do pânico ou fobias”, afirma.

UM BOA NOTÍCIA - ANVISA APROVA NOVA MEDICAÇÃO

Em março deste ano, uma boa notícia. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou uma nova medicação para a Psoríase Pustulosa Generalizada.  O espesolimabe, um novo tratamento injetável para sinais e sintomas da PPG, da farmacêutica Boehringer Ingelheim , surge como uma importante alternativa de tratamento da doença. 

Os resultados do estudo com a medicação, publicados no New England Journal of Medicine, uma das principais revistas científicas do mundo, mostraram que pacientes adultos apresentando crise de PPG tiveram uma melhora rápida após o uso do novo tratamento, um anticorpo contra o IL-36Ri. 

A pesquisa avaliou 53 pacientes durante 12 semanas. Eles apresentavam comprometimento moderado ou grave da pele e acentuado impacto na qualidade de vida. Ao final da primeira semana, 54% dos pacientes não apresentaram pústulas (bolhas de pus) visíveis após uma única dose de spesolimabe, em comparação com 6% dos pacientes que receberam placebo, afirma o release de divulgação da nova medicação. 

“Estamos empenhados em trazer inovação e qualidade de vida para pacientes com doenças crônicas, mas que merecem a dignidade de um tratamento adequado”, disse a Dra. Thais Melo, diretora médica da Boehringer Ingelheim Brasil.

PARA SABER MAIS SOBRE A PPG

Como uma das melhores ferramentas para combater o preconceito é a informação, o TNH1 lista 10 materiais disponíveis na internet que podem ampliar seu conhecimento sobre a PPG. Seja você paciente ou não. 

São lives, vídeos, podcast e textos de fontes que tratam com seriedade o assunto, como por exemplo a Psoríase Brasil, uma associação referência no assunto no país. Confira abaixo, leia, compartilhe.