Redação
Cientistas desenvolveram um útero artificial para dar continuidade ao desenvolvimento de um feto de cordeiro prematuro, nascido com o equivalente a 23 semanas de gestação humana (idealmente são 38). Após realizarem um parto por cesariana, os pesquisadores do Children’s Hospital of Philadelphia, nos Estados Unidos, colocaram o feto em uma bolsa preenchida por um fluido que simulava a placenta, onde o animal permaneceu por quatro semanas e se desenvolveu normalmente. A estrutura, que faz parte de um estudo divulgado nesta terça-feira na revista científica Nature Communications, pode transformar o tratamento de bebês que nascem extremamente prematuros, aumentando significativamente as chances de sobrevivência.
LEIA TAMBÉM
Chamado de prematuridade em estado crítico – entre 23 e 26 semanas de gestação –, um bebê nesse período pesa um pouco mais do que 500 gramas e seus pulmões ainda não conseguem funcionar devidamente. A taxa de mortalidade nestes casos chega a 70%, e aqueles que sobrevivem enfrentam deficiências físicas, neurológicas ou educacionais por toda a vida. Segundo dados da ONG Prematuridade.com, a cada 30 segundos, um bebê morre em consequência do parto antecipado no Brasil.
A ideia do projeto veio da médica Emily Partridge, que trabalha com o tratamento de bebês extremamente prematuros no Children’s Hospital of Philadelphia. “Essas crianças realmente mexem comigo”, disse em comunicado. Para dar um melhor suporte ao desenvolvimento desses indivíduos, Emily pesquisou a respeito de úteros artificiais, que já estavam sendo estudados e, em 2012, propôs aos colegas que desenvolvessem um modelo.
De início, a equipe realizou experimentos em um tanque de vidro, até passarem para o “saco” de polietileno, utilizado no estudo. O material, usado para fabricar sacolas e embalagens, é impermeável, resistente, atóxico e quimicamente inerte, além de ser barato – o que, no lugar das atuais incubadoras e tratamentos neonatais, pode gerar uma economia de 43 bilhões de dólares anuais, só nos Estados Unidos.
Além disso, por oferecer condições muito semelhantes ao útero humano, segundo o médico Alan Flake, diretor do Centro de Pesquisa Fetal do Hospital of Philadelphia e líder do estudo, a qualidade da permanência no saco de polietileno pode ser muito superior, possibilitando um melhor desenvolvimento do feto. “Este sistema extrauterino é potencialmente muito melhor do que os hospitais podem atualmente fazer para um bebê de 23 semanas. Isso poderia estabelecer um novo padrão de cuidados”, disse Flake em comunicado.
Para testar o sistema, os médicos fizeram o parto prematuro de oito cordeiros com o mínimo de tempo de gestação necessário para os órgãos estarem com tamanhos e funcionalidades suficientes e os animais não correrem risco de vida. Logo em seguida, os cordeiros foram inseridos no saco com o líquido amniótico e temperatura controlada e tiveram o cordão umbilical conectado a cateteres que faziam a oxigenação do sangue e a transmissão de nutrientes necessários e medicamentos, como a heparina, uma substância anticoagulante para que o sangue do animal flua normalmente, sendo bombeado por seu próprio coração.
Durante a permanência no útero artificial, os cordeiros mostraram respiração e deglutição normais, abriram os olhos, tiveram um crescimento de lã, tornaram-se mais ativos e tiveram o desenvolvimento da função neurológica e maturação de órgãos como estomago, pulmões, cérebro normais. Segundo exames, as substâncias em sua corrente sanguínea também estavam dentro dos padrões.
Outros modelos de úteros mecânicos sem o bombeamento artificial de sangue já haviam sido desenvolvidos. Entretanto, eles não conseguiram sustentar o feto por mais de sessenta horas e os animais testados apresentavam danos cerebrais ao fim do experimento. Neste estudo americano, os cordeiros ficaram por 670 horas no saco, o equivalente a 28 dias, período máximo permitido pelo protocolo de testes animais, o que sugere que eles poderiam continuar no sistema por mais tempo. Com o resultado promissor, os cientistas vão continuar a desenvolver e aprimorar o sistema, diminuindo-o para abrigar os fetos humanos, que têm apenas um terço do tamanho dos fetos de cordeiro.
A pesquisa foi bem recebida pela comunidade científica e considerada como um grande avanço. No entanto, ainda levará muito tempo para que o sistema seja utilizado em humanos, ressalta o cientista Colin Duncan, Professor de Medicina e Ciência da Reprodução da Universidade de Edimburgo, na Grã-Bretanha. “Este é um conceito realmente atraente e este estudo é um passo muito importante. Ainda existem enormes desafios para refinar a técnica, para tornar os resultados mais consistentes e, para compará-los com as atuais estratégias de cuidados intensivos neonatais. Isso exige muitas pesquisas futuras”, escreveu em artigo que acompanha o estudo.
Duncan comparou o sistema com a descoberta do uso injeções hormonais em grávidas que têm risco de parto prematuro para acelerar o desenvolvimento dos pulmões do feto. Os primeiros testes da aplicação também foram feitos, primeiramente, em ovinos. “Essa técnica melhorou a sobrevivência de bebês prematuros em todo o mundo e fez um enorme impacto na prática obstétrica e neonatal, mas esse tratamento demorou mais de 20 anos para entrar na prática clínica”.
LEIA MAIS