Fernanda Brigatti/Folhapress
Enquanto o emprego formal patina em meio à crise econômica causada pela pandemia, o trabalho temporário dá sinais de força. Levantamento da Asserttem (Associação Brasileira do Trabalho Temporário) junto às empresas do setor estima que 1 milhão de vagas temporárias tenham sido preenchidas no primeiro semestre deste ano.
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Trata-se uma alta de 47% em relação à igual período do ano passado.
Em alguns segmentos, a demanda por esse tipo de contrato praticamente dobrou. Logística, alimentação, varejo, saúde, agronegócio e o setor farmacêutico são os que mais abriram posições. As agências apostam ainda em um aumento médio de 28% no volume total de vagas temporária em 2020, na comparação com 2019.
A crise sanitária, que deixou um saldo negativo de 1,2 milhão de vagas formais no primeiro semestre, de certa forma, avaliam especialistas, criou as condições para o avanço do contrato temporário.
"Alguns clientes tiveram de reduzir drasticamente seus quadros permanentes no início da pandemia. Com a retomada de algumas operações, optaram por temporários devido ao cenário de instabilidade econômica", afirma Vânia Montenegro, diretora de serviços de RH da Employer.
O trabalhador temporário é aquele contratado por meio de uma agência e para atender necessidades pontuais, como substituição de pessoal ou demanda extraordinária -e a pandemia trouxe as duas situações.
Marcos de Abreu, presidente da Asserttem, diz que setores como a indústria de alimentos já tinha uma previsão de contratação no decorrer do ano, mas que o aumento do consumo e o volume de licenças médicas intensificou a necessidade por mão de obra.
"Há alguns picos de contratação no ano, como Dia das Mães, Natal, por exemplo. São eventos pontuais, nunca é tão volumoso assim", afirma Abreu, para quem o crescimento está ligado à flexibilidade da contratação.
Para o trabalhador, a principal diferença em relação ao contrato convencional regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é que, ao ser demitido, não terá direito à multa de 40% sobre o saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) ou acesso ao seguro-desemprego.
Os contratos não precisam ter prazo estipulado, mas valem por até 180 dias. Se a empresa puder provar que ainda precisa desse funcionário, a lei prevê que ele ainda pode continuar por outros 90 dias, somando um período máximo de nove meses na empresa.
Por outro lado, se a tal demanda extraordinária se encerrar antes, a demissão fica muito mais simples para a empresa, que só precisa pagar os dias de trabalho e as férias proporcionais.
Essa rapidez na desmobilização da mão de obra também é um atrativo desse tipo de contrato, afirma Toni Camargo, diretor da Randstad.
Nos setores que puxaram a necessidade de mão de obra temporária, como os de saúde e farmacêutico, e também segmentos ligados ao consumo, como alimentos e compras online, a Randstad registrou um aumento de 97% na demanda por contratações.
Camargo acredita que a procura pelo contrato temporário atravesse o ano e dure até, pelo menos, o segundo trimestre do ano que vem.
"Neste momento, as empresas têm dúvidas quanto à contratação de mão de obra efetiva. É uma tendência que deve perdurar também logo que houver a retomada, como uma opção melhor", afirma.
Para Camargo, o momento de dúvidas quanto à força da atividade economia favorece o contrato mais flexível. Há ambiente também para demissões.
Na Gi Group, pelo menos 12 mil colocações temporárias estão previstas até o fim do ano, 10 mil delas já confirmadas. No primeiro semestre de 2020, o volume de vagas subiu 50%. "A previsão é que a gente tenha de 80% a 90% de crescimento neste ano", diz.
Ana Brito, diretora de negócios da Gi, diz que os contratos temporários tem um taxa alta de efetivação, na faixa de 60%.
As vagas desse tipo, segundo ela, são principalmente operacionais, para cargos de nível médio. Em meio à pandemia, porém, também houve a necessidade de preencher cargos administrativos e outros com alta especialização, com médicos e enfermeiros.
Na Luandre, o aumento nos pedidos por contratações temporárias foi de 40%, segundo Gabriela Mative, superintendente de recrutamento e seleção.
No início da pandemia e por cerca de três meses, quem mais precisou desse tipo de funcionário foi o setor de saúde. Depois, vieram as redes varejistas. Agora, diz ela, toda a cadeia logística, que atende o comércio virtual, está em busca desse pessoal, inclusive de auxiliares e especialistas em segurança de rede.
Gabriela vê um certo preconceito no trabalho temporário, devido à curta duração. "Há um ideia de que passar poucos meses em um emprego deixa o registro do trabalhador sujo, mas é uma oportunidade de ser efetivado", afirma.
Para o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Fausto Augusto Junior, o avanço do trabalho temporário reflete questões conjunturais -a necessidade extraordinária e provisória criada pela pandemia-, mas também indica mudanças estruturais no mundo do trabalho.
"[O aumento] é natural em um momento de dúvida, porque é um contrato que traz maior previsibilidade. Do ponto de vista da estrutura, vem de um conjunto de mudanças reforçadas a partir da reforma trabalhista, em 2017", afirma.
Fausto diz que esses novos modelos de contrato formal, que incluem também os intermitentes e terceirizados, ainda estão em teste. "O que a gente percebe é uma descaracterização do trabalhado habitual", afirma. "O problema é que há consequências para o trabalhador, que vai perdendo direitos".
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