Omelete
'The Last of Us' nos apresentou os horrores de um apocalipse e o que o humano é capaz de fazer para sobreviver. Por mais que seja uma ficção, a série, baseada no game da Naughty Dog, usou um fungo da vida real para sua trama: o Cordyceps.
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Nos primeiros episódios que explorou a causa da pandemia fúngica, muitos se assustaram com a possibilidade de um surto, mas para a nossa sorte, as chances de acontecer ficam apenas na ficção. O Omelete conversou com o especialista em fungos Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos, doutor e pesquisador em micologia na UFSC, que explicou sobre o Cordyceps, se somos imunes a ele e se os elementos que a série usou têm sentido.
Fungo é vida - Antes de entrar ao assunto, é preciso ficar claro que os humanos estão intrinsecamente conectados a diversas formas de vidas, que incluem plantas, animais, bactérias, vírus e fungos. Elisandro explica que estamos em total interação com esses organismos que estão presente em nosso dia-a-dia. “Desde o pãozinho do café da manhã, o suco de laranja à tarde e até o vinho da noite. Sem falar nos medicamentos e cosméticos que foram produzidos por conta do uso biotecnológicos a partir de fungos.”
O biólogo cita como exemplo a Penicilina, um antibiótico que hoje em dia é feito de maneira sintética, mas se originou do fungo do gênero Penicillium. Em paralelo com The Last of Us, os cientistas do primeiro episódio mencionam o medicamento e, no oitavo episódio, Ellie medica Joel com esse remédio para curar sua ferida. “Esse mesmo fungo que produz esse antibiótico, está disperso no ar, podendo contaminar alimentos e a gente. Mas o Penicillium também pode ser utilizado no processo de produção de queijos, como o gorgonzola”, explica o doutor em micologia.
Cordyceps é pop - Com The Last of Us sendo um sucesso, o Cordyceps, em especial, ganhou um novo significado no imaginário popular - tanto que houve um aumento de buscas do nome do fungo no Google na semana do lançamento do seriado da HBO.
Conforme explica Elisandro, existem diversos tipos de Cordyceps, sendo classificados como entomopatógenos, que parasitam seres vivos e realizam o processo de zumbificação: o fungo controla o infectado até um lugar alto (geralmente em galhos e plantas) onde o inseto morre, para assim, o fungo crescer e espalhar os esporos em busca de novas vítimas para infectar. Um processo perfeito para se encaixar em uma história de apocalipse zumbi.
Felizmente, os humanos não são infectados pelo Cordyceps por dois motivos: o público-alvo do fungo, que ataca aranhas e insetos, principalmente formigas, e o fato de o nosso sistema imunológico ser resistente à infecção. "A gente tem um sistema imunológico muito poderoso que nos protege e nos blinda. Os fungos causam esses malefícios quando temos um sistema imunológico comprometido", esclarece o doutor.
Questionado se seria possível o Cordyceps infectar o ser humano, Elisandro acredita que dificilmente aconteceria, pois há um longo processo evolutivo histórico entre o fungo e os insetos. "Essas interações que levam à zumbificação, ou o controle de insetos, são interações muito antigas que provavelmente se estabeleceram há mais de 40 milhões de anos. Para esses fungos se tornarem perigosos para a gente, eu diria que, minimamente, estamos distantes a uns 40 ou 50 milhões de anos dessa possibilidade."
Ficção com ciência - Ao contrário do jogo, os showrunners Craig Mazin e Neil Druckmann (também co-criador do jogo) chamaram especialistas para criar uma origem para o surto fúngico na franquia: “Não é magia, é ciência; como descreveu Mazin em entrevista para o Omelete.
Na trama, o que causou a pandemia foi o aumento da temperatura no planeta e as infecções terem surgido em produtos farináceos, o que facilitaria a disseminação. Elisandro acha “genial” os produtores terem chamados especialistas e usarem dados científicos para criar um background para a epidemia, e também ressalta a importância do contexto após a humanidade ter encarado uma pandemia de Covid-19.
“Foi muito bem construído pelos produtores, porque foi lançado logo depois da pandemia de Covid. Ou seja, o The Last of Us foi lançado no momento realmente certo para impactar a sociedade, porque tá muito vivo ainda na memória das pessoas”.
Outro adicional para a série foi que o Cordyceps da ficção têm raízes espalhadas no subsolo que se comunicam com as criaturas, fazendo com que consigam rastrear os humanos em diversos lugares. O especialista explica que alguns fungos possuem em sua estrutura o micélio, conjuntos de hifas (filamentos de células) que ficam no subsolo e se conectam em plantas, árvores e, por consequência, podem interligar toda uma floresta.
“Quando você olha para uma floresta, é apenas uma parte porque a outra está no subsolo. Existe uma diversidade gigantesca de microrganismos e também de macro organismos, tanto de animais, de outras plantas, de fungos e de bactérias que estão distribuídos e estão conectados em todas as raízes das plantas da floresta através da rede emaranhada de hifas formada pelos fungos”, diz o biólogo.
Elisandro não teve a oportunidade de jogar The Last of Us, mas agora está acompanhando a série e, em sua opinião como especialista e espectador, está gostando da trama e de como a série fez as pessoas se interessarem por fungos, mesmo com os elementos fantasiosos. “É muito legal ver isso no popular, na casa das pessoas. É muito bacana você ver as pessoas entrando em contato sobre a série e querendo te mostrar. Acho que isso faz um serviço muito bacana para popularização dos fungos e eu entendo a licença poética e a questão fictícia [da série].“
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