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Segundo especialistas ouvidos pelo g1, sugestões de tratamento alternativo podem e devem ser feitas, mas fora da receita médica.
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O debate veio à tona após um profissional de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Osasco, na Grande São Paulo, prescrever a um garoto de nove anos, atendido com sintomas gripais, sorvete duas vezes ao dia e Free Fire, um jogo de ação, diariamente.
As recomendações constavam na receita, junto com medicamentos para aliviar os sintomas, como amoxilina e dipirona.
Pediatras apontam que, no caso específico do sorvete e do jogo de celular, as duas recomendações não deveriam constar, uma vez que não há respaldo cientifico que justifique tal orientação.
"Não existe estudo dizendo que ajuda em caso de gripe, em nenhuma situação, então é uma conduta que não tem absolutamente nenhum respaldo científico", afirma Ana Escobar, pediatra e professora da Faculdade de Medicina da USP.
No caso do alimento, a especialista ainda defende que em "nenhuma outra doença o sorvete teria indicação."
Tratamento alternativo
Angelo Vattimo, diretor primeiro-secretário do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), explica sugestões de tratamento alternativo devem estar no verso da receita ou em outra folha.
"Você pode orientar o paciente, até deve, mas esse tipo de formato não é o habitual", afirma.
No relato da mãe do menino ao g1, ela afirmou que o filho não foi examinado durante a consulta. Na avaliação de Vattimo, sem análise clínica, nenhuma receita médica tem valor.
"A partir do momento em que você não examina o paciente, você não consegue justificar nada que você prescreve: nem sorvete, nem antibiótico, nem nada", explicou.
Gelado anestesia ou piora dor de garganta?
Para o presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Renato Kfouri, receitar sorvete para uma criança com sintomas gripais "não piora nem melhora" o quadro.
Ele acrescenta que, sem discutir a qualidade dos alimentos e para compor o receituário, é normal fazer recomendações em consultas de rotina como "atividades físicas e alimentação", mas que "não é prática normal prescrever refrigerantes, sorvetes, balas, doces".
O pediatra ressalta que para crianças menores, recomendar sorvete é, inclusive, proibido.
"[Sorvete] em geral, não é a recomendação prioritária de uma alimentação saudável. O que se orienta é prescrever sopinhas, papinhas, alimentos naturais, frutas, verduras, dietas às vezes específicas. Você pode prescrever recomendações dietéticas diferentes de industrializados e alimentos com corantes que não fazem parte da rotina habitual de recomendação alimentar", afirmou Kfouri.
O médico contou que nunca viu sorvete ser receitado, mas que, em situações muito especiais, ou em um casos como desnutrição ou uma cirurgia de amígdala, um alimento gelado, pode ser indicado no pós-operatório.
Kfouri destaca, ainda, que embora o sorvete não seja contraindicado sintomas gripais, ou seja, não vai piorar uma garganta inflamada, ele não alivia nenhum tipo de dor ou incômodo.
"Se aliviasse, ia ser muito bom, mas não existe nenhum estudo falando que o sorvete alivia".
Jogos de celular e uso de telas
Sobre o game, o pediatra Renato Kfouri defende que a recomendação é justamente o contrário: orientar que as crianças passem menos horas na frente de telas.
Ainda de acordo com o especialista, a Sociedade Brasileira de Pediatria restringe as horas, dependendo da idade, por questões de socialização, atividade física e dificuldade de concentração.
"Hoje em dia as crianças estão muito mais nas telas, e a gente pede para evitar e recomendar atividades ao ar livre. Geralmente a gente tende a restringir o tempo que as crianças passam em tela, e não acrescentar", explica ele.
Para Ana Escobar, em nenhum caso um jogo, ainda mais que aborde tema de violência, poderia ser indicado.
"Existem várias outras formas de você chamar a atenção de uma criança que tem dificuldade de concentração ou déficit de atenção. Você pode ensinar ela a tentar ouvir música, pintar, desenhar, e que seja com um jogo eletrônico, mas que não que incita a violência. Então, do ponto de vista científico, em nenhuma situação tem indicação. Os jogos [Free Fire] também não são bons nem para ansiedade. Ao contrário, eles podem dar até mais ansiedade. Então eu não vejo razão nenhuma para isso".
Vattimo afirma que, além de não ser o habitual, a prescrição não é adequada. "Você pode recomendar deixar a criança em repouso em casa".
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) abriu uma sindicância nesta terça-feira (30) para apurar a conduta do médico que receitou, junto com a lista de medicamentos, sorvete de chocolate e "Free Fire" a criança com sintomas gripais.
O que os especialistas defendem:
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