Sobre a cheia no Sul: “É preciso resgatar a engenharia como um dos vetores de melhoria da qualidade de vida”

Publicado em 14/05/2024, às 12h03

Redação

A repetição, com certa constância, de chuvas e inundações, como está a acontecer no Rio Grande do Sul, reforça a necessidade de uma gestão ambiental integrada no que diz respeito ao meio ambiente.

Faltam, acima de tudo, planos e projetos para obras que possam ao menos atenuar os efeitos dessas tragédias ambientais.

É o entendimento do engenheiro Álvaro José Menezes da Costa, ex-presidente da Companhia de Saneamento de Alagoas e diretor nacional da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES:

“Tive a oportunidade de conviver e aprender com competentes engenheiros e hidrólogos, que em Pernambuco realizavam estudos e projetos para construção de barragens para abastecimento de água e contenção de cheias. Com eles e na prática, pelo menos uma vez no início do século XXI, pude ver os efeitos de chuvas seculares sobre grandes barragens e as projeções em projetos para chuvas milenares e decamilenares em bacias hidrográficas.

Este ano o destaque está no Rio Grande do Sul que, como outros Estados, já sofreu cheias e inundações anuais recorrentes. O grave é que desta vez os efeitos das fortes chuvas superaram o que foi vivido em anos anteriores, podendo ocorrer novamente na mesma proporção ou maior, conforme estabelecem as projeções hidrológicas.

O que fazer? Ou pior, o que deveria ter sido feito?

Desde 1997, quando foi sancionada a lei nacional dos recursos hídricos houve avanços regulatórios e institucionais. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA, Comitês de Bacia e Agências de Bacia passaram a fazer parte do cotidiano técnico inicialmente e, depois, da sociedade em geral. É relevante e inegável o papel da ANA ao longo desses anos e elogiável a atuação de alguns comitês de bacia.

Entretanto, apesar desses avanços, há que se refletir sobre a desconexão existente entre a o planejamento público, as políticas públicas e as ações efetivas que deveriam integrar objetivamente as áreas ambiental, de recursos hídricos e saneamento.

Basta ver que há recursos financeiros para obras de infraestrutura, abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, mas quase nada para drenagem urbana e nada para manejo e proteção de bacias hidrográficas, em resumo obras de drenagem, regularização de rios e contenção de cheias.

Nas áreas urbanas, como agora em Porto Alegre ou em Maceió, onde iniciou-se a quadra chuvosa, a modernização da malha de drenagem urbana e adequação dos canais de drenagem natural ao novo perfil urbanístico, deixam a desejar porque não há um plano prioritário para eliminação de áreas críticas ou prevenção efetiva contra as inundações e cheias recorrentes.

Faltam planos, projetos, estrutura institucional e baixo nível de prioridade para tais obras, afinal para que investir num dique de contenção de cheias ou na implantação de galerias de drenagem? Pode ser que outra chuva como esta só ocorra novamente no Rio Grande do Sul daqui a 100 anos.

Para as áreas rurais, onde muito das cheias começa, é muito raro ouvir alguém falar numa barragem de contenção de cheias ou regularização e desassoreamento de leitos de rio ou gestão integrada de bacias hidrográficas com plantio/replantio de matas, proteção do solo e proibição de construções na área da bacia, além da busca de garantia da qualidade da água doce.

Agora serão investidos bilhões de reais, às vezes remanejados de áreas prioritárias, os quais serão aplicados não necessariamente para corrigir causas contornáveis deste grave evento, mas para recuperar e recolocar de pé o que foi destruído, alimentando um ciclo sem fim.

Eventos como o do Rio Grande do Sul já ocorreram em outras partes do Brasil e de outros países, infelizmente, tendendo a se repetir se não houver um plano e projetos direcionados para “gestão das águas”, de modo que nos momentos de chuvas seculares, milenares ou decamilenares os danos de todo tipo sejam evitados, reduzidos e mitigados.

O espaço urbano mudou fortemente desde a década de 90, no século XX, o que exige a revisão de estruturas existentes e sua adequação às novas condições ambientais e urbanas. É preciso resgatar a engenharia como um dos vetores de melhoria da qualidade de vida.”

Gostou? Compartilhe

LEIA MAIS

Corpo de Bombeiros alerta para riscos no abastecimento de veículos elétricos em garagens no subsolo A pedra no sapato que impede a definição do futuro político do governador Paulo Dantas Casa da Indústria recebe hoje o “1º Workshop Sucroalcooleiro de Alagoas para Descarbonização da Mobilidade” Opinião: “Por que o Brasil bate recorde de recuperações judiciais, mesmo com a economia em crescimento”