“O ano de 2023 termina com os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário envolvidos mais uma vez em situação de incerteza e esperança. Os acontecimentos decorrentes das mudanças iniciadas em 2020, com e sem o novo marco regulatório, possibilitam imaginar que poderão ocorrer avanços importantes na melhoria da qualidade dos serviços.
A publicação recente do relatório do Radar PPP na revista EXAME, mostrou que em 2023 houve uma quantidade recorde de processos visando o desenvolvimento de estudos e contratação de PPPs, incluindo as modalidades de concessões plenas e as PPPs conforme a lei 11.079/2004. Observou-se também, que os municípios protagonizaram a maioria desses processos, numa demonstração de que não se está esperando soluções regionalizadas apenas.
Em relação a esta movimentação do mercado influenciada pela participação de operadores privados com as concessões contratadas, com as PPPs da CAGECE e da SANEPAR, do caso da CORSAN e da SABESP em curso, além das já mencionadas concessões municipais, a incerteza e a esperança cruzam-se na expectativa de que as participações de empresas privadas nestes processos, sejam a confirmação de que está se fortalecendo no Brasil a existência de gestoras privadas de serviços públicos e não fundos financeiros em busca de resultados superiores aos ofertados pelo mercado financeiro.
Para aferir tal condição, é cada vez mais urgente avaliar os resultados das concessões contratadas desde 2020, principalmente aquelas cujas outorgas superaram muito o que se previa. A missão não é somente ver se há obras novas em andamento, muito mais que isto, é ver se a população passou a ter serviços melhores e está sendo bem atendida. De outro lado também, é necessário atentar para os critérios de contratação que consideram as outorgas pagas como condição maior, quase única, para julgamento e desprezam a qualificação técnica e operacional.
Outro momento que coloca em confronto a incerteza com a esperança de que a população poderá ter serviços melhores e sustentáveis, está no que restou da esperada e desejada reforma tributária. Como está sendo amplamente divulgado, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário foram retirados dos regimes específicos de tributação, o que provocará maior ônus tributário para os operadores e consequente aumento de tarifas. Isto trará impactos sensíveis principalmente onde as tarifas já são elevadas e poderá inviabilizar a solução para localidades mais pobres.
A elevação da carga tributária para um serviço essencial e de saúde pública, se contrapõe a necessidade que há e sempre houve, de se ter um subsídio real ou um fundo que ampare as populações mais pobres no processo de universalização e, ao mesmo tempo, garanta tarifas justas que levem sustentabilidade para os contratos. Estes serviços, que têm impacto direto na saúde pública e no desenvolvimento social não podem ser tratados como fábricas de cerveja ou de automóveis, numa comparação provocativa. Deveriam, outrossim, receber a mesma atenção que os setores de energia elétrica e, de certo modo, os de telecomunicações.
Deste modo, terminado 2023, que 2024 seja um futuro próximo onde as incertezas esperançosas superem a perda de esperança na melhoria da qualidade dos serviços. Porém, contra os efeitos da reforma tributária, necessária, entretanto nociva para os serviços, é preciso agora buscar uma nova saída para que a universalização seja alcançada. Ou seja, nova luta se inicia para um embate que é marcado ao longo do seu tempo por alterações de regra durante cada assalto.
Para imaginar um futuro sustentável para a sociedade, não basta querer ser otimista ou pessimista, mas ser, como pregava Ariano Suassuna, um realista esperançoso, para que se busque de verdade a solução para o saneamento e não para um grupo de empresas ou para satisfação de posições ideológicas.”