“Por que as pessoas com síndrome de Down estão vivendo mais e os desafios que isso traz”

Publicado em 22/10/2023, às 15h20

Redação

Uma situação que até hoje em dia, em pleno século 21, ainda gera indefinições é a questão dos portadores de síndrome de Down.

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A seguir, algumas considerações sobre o tema, em texto de Lúcia Helena, no portal “UOL”:

“Há um século, alguém que nascesse com uma terceira cópia do cromossomo 21 em suas células vivia 10, 12 anos. Mas a expectativa de vida média das pessoas com a trissomia do 21, também conhecida como síndrome de Down, foi aumentando e, hoje, muitas vezes passa fácil dos 60.

O segredo da vida longa? Ora, em boa parte ele é o mesmo de quem não tem a síndrome e que, no Brasil dos anos 1980, vivia cerca de 66 anos e, agora, espera apagar 77 velinhas. Todos nós estamos vivendo mais. Simples assim.

Ou seja: há mais saneamento, mais vacinas nos protegendo contra infecções e outros fabulosos progressos da Medicina, tanto para prevenir quanto para tratar variadas encrencas.

‘No caso da população com síndrome de Down, vale destacar a mudança na abordagem das cirurgias cardíacas’, diz Marcelo Altona, geriatra do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e coordenador do Projeto de Envelhecimento Saudável do Instituto Serendipidade, organização sem fins lucrativos que atua pela inclusão de quem tem deficiência.

Ele justifica: ‘Até a década de 1970, o fator que mais diminuía a expectativa de vida das crianças com síndrome de Down eram as cardiopatias congênitas, porque os médicos não tinham coragem de operá-las, já que o risco de mortalidade era altíssimo. Mas novas gerações de cardiologistas preferiram arriscar, vendo que, se essas crianças não fossem operadas, poderiam morrer do mesmo jeito’.

E, paralelamente, as técnicas cirúrgicas avançaram, corrigindo alterações no coração a que aqueles pacientes chegavam a ser 80 vezes mais propensos do que meninos e meninas sem a trissomia do 21.

Por falar em propensão, melhor esclarecer que a tal trissomia não é, nem nunca foi uma doença. É, isso sim, uma condição genética, que determina algumas características — como, aliás, os nossos genes sempre fazem — e que aumenta a probabilidade de o indivíduo desenvolver certos problemas de saúde. ‘E eles, claro, podem se agravar com a idade’, explica Marcelo Altona. ‘Penso que todo mundo precisa de cuidados à medida em que envelhece e, no caso da pessoa com síndrome de Down, não tem por que ser diferente.’

Encontrar por aí tantos senhores e tantas senhoras com síndrome de Down é um fenômeno recente. Daí, é natural a ciência ainda não compreender tão bem se doenças típicas da maturidade seriam ou não mais prevalentes neles.

‘Vira e volta alguém especula que determinados cânceres apareceriam nesses indivíduos com maior frequência e, na verdade, não temos certeza disso’, conta Marcelo Altona. Lembre-se que tumores malignos são mais associados à idade madura, por isso, no passado, não tinha como se obter respostas.

Há alguns meses, o urologista Fernando Korkes, também do Hospital Israelita Albert Einstein e chefe do Grupo de Uro-Oncologia da Faculdade de Medicina do ABC, publicou uma metanálise, comparando nada menos do que 350 estudos que incluíram 16.248 voluntários com a trissomia do 21. Instigado pelo pessoal do Instituto Serendipidade, ele queria checar se os tumores urológicos, sobretudo o de testículo, eram mais comuns nesses pacientes do que na população em geral. A resposta foi negativa. O risco é igual.

Já a obesidade é, de fato, mais vista em quem tem a síndrome — lembrando que, para qualquer um, o ponteiro da balança sobe com maior facilidade com o avançar da idade, se não há a adoção de hábitos mais equilibrados.

‘As famílias tendem a ter um excesso de zelo’, nota o doutor Macelo Altona em seu dia a dia. ‘E às vezes faz parte disso a seguinte ideia: ‘já que ele ou ela não pode ter tudo, vamos deixar, ao menos, comer o que gosta’, o que, no fundo, é um baita capacitismo’.

O passe livre para guloseimas resulta em uma dúvida: ‘Fica difícil saber até que ponto diagnosticamos mais casos de obesidade por causa da genética desses pacientes e até que ponto o ganho de peso tem a ver com esse ambiente’, diz o geriatra.

Algumas situações, porém, são mesmo mais esperadas. É preciso avaliar se não há problemas de audição, para dar um exemplo. Isso porque, entre as características físicas do Down, está um conduto auditivo menor, que acumula mais cera, o que eventualmente rende mais complicações de ouvido ao longo dos anos.

Já os músculos costumam ter menos tônus e existe a frouxidão dos ligamentos, típica da condição genética. Isso, quando a pessoa se torna sênior, favorece osteoporose, sarcopenia — a perda de massa muscular — e quedas. Portanto, adaptar a casa para evitar acidentes, entre outras medidas preventivas, é uma boa.

A musculatura mais flácida na região da garganta, por sua vez, dificulta a passagem do ar, fazendo surgir a apneia obstrutiva do sono, que, você sabe, também se intensifica com o envelhecimento, estraçalhando uma boa noite de repouso e tornando-se um fator de risco para o coração.

‘A catarata, em quem tem a trissomia do 21, surge mais precocemente’, avisa, ainda, o doutor Altona. Aliás, de modo geral o paciente com síndrome de Down envelhece mais rápido. Apresenta aos 40 anos problemas que os outros manifestam só depois dos 50 ou até mesmo dos 60 anos.

Por isso, a dedução é lógica: os cuidados para preveni-los ou adiá-los devem começar cedo. O conselho vale para todo mundo? Vale. E, para quem tem essa trissomia, dispensá-lo custa caro.

‘Um menino, ao sair da infância, deixa de ir ao pediatra e só pisa novamente em um consultório por volta dos 45 anos’, observa o doutor. ‘A mulher já é um pouco diferente, porque faz acompanhamento com o ginecologista. Mas onde quero chegar: um jovem com síndrome de Down não deve ficar uma ou duas décadas sem visitar um médico. Se aparecer no geriatra só com uns 30 ou 35 anos, já terá acumulado problemas capazes de atrapalhar demais sua qualidade de vida ao envelhecer’…”

 

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