Assis Valente, 1911-1958.
É preciso falar desse novo vizinho: o Aedes. Menor do que os mosquitos comuns, é preto com listras brancas no tronco, na cabeça e nas pernas. Suas asas são translúcidas e o ruído que eles produzem é praticamente inaudível. Sujeitinho incômodo, mas discreto.
Originário da África, sua família se espalhou pelas regiões tropicais e subtropicais do planeta no Séc. XVI. Viajante espontâneo em navios negreiros, foi através deles que chegou ao nosso continente. Sua primeira descrição data de 1762 e seu batismo, com direito a nome e sobrenome, deve-se a Carl Linnaeus (1707-1778). Aedes Aegypti significa Casa do Egito. Mas há controvérsias, há quem diga que ao invés do latim, a primeira parte do seu nome derivaria do grego, o termo Aedes pode ser traduzido por “odioso, desagradável”.
Os primeiros relatos de dengue no Brasil são de Curitiba, no final do Séc. XIX e, no início do seguinte, de Niterói, no Rio de Janeiro. Naquela época, o Aedes já preocupava, mas mais por conta da transmissão da febre amarela urbana. Vive-se, agora, no Sul do país, plena epidemia da dengue. Mesmo que ainda pareça não se admitir.
Tudo indica que vem mais por aí: a febre chikungunya. Também de origem africana, é muito parecida com a dengue, já bem conhecida dos brasileiros mais ao norte. O vetor do vírus é o mesmo, Aedes, o odioso (tanto o Aegypti quanto o Albopictus), e, portanto, onde grassa um o outro deve dar o ar da graça. Ou da desgraça.
Detectada pela primeira vez em 1952, na fronteira da Tanzânia com Moçambique, a chikungunya espalhou-se por mais de quarenta países africanos e asiáticos segundo a Organização Mundial de Saúde. Em 2013, registrada também nas Américas, rapidamente se disseminou. Apesar da baixa letalidade (1:1000), é extremamente debilitante.
A palavra chikungunya deriva de um dialeto da Tanzânia e significa ‘doença do andar curvado’. Apresenta sintomatologia semelhante à da dengue, mas em intensidade ainda maior: febre, mal estar, dores pelo corpo, dor de cabeça, apatia e cansaço. O acometimento articular importante pode levar a problemas permanentes de mobilidade e/ou um quadro muito semelhante ao da artrite reumatóide.
O tratamento é sintomático e as medidas de prevenção são as mesmas usadas no combate à dengue: inseticidas e repelentes. Além da eliminação dos locais de reprodução do mosquito, como áreas de água parada.
O Aedes foi erradicado no Brasil em 1955, mas em 1967 verificou-se que o vetor novamente apresentava-se no território nacional. Eliminado em 1973, reapareceu após três ou quatro anos. Não é um mistério seu sumiço nestes períodos, apenas a decorrência de uma política de saneamento bem sucedida.
Enfrentamos a um só tempo a escassez de água, o descaso com os mananciais e a tentativa desesperada de manter reservatórios muitas vezes sem condições mínimas de armazenamento seguro. Também as mudanças climáticas, o desequilíbrio ecológico, o uso desenfreado de agrotóxicos e tantos outros fatores interligados.
Os serviços de saúde ficam mais sobrecarregados devido a atendimentos emergenciais e são necessários novos espaços. Some-se a isso as tradicionais doenças, já nem tão sazonais, como as respiratórias, também impactadas por uma redução da adesão às imunizações. Outras doenças deixam de ser acolhidas e aumenta a demora nos atendimentos.
Para a dengue já se tem vacina, ainda aquém da produção necessária. Mas é preciso que o país retome o caminho da confiança vacinal, após um período de questionamento contraproducente, insano.
Para combater o mosquitinho listrado, falta comprometimento da população, pois ignorância sobre seus hábitos já não é desculpa. Mas não é só o pratinho dos vasos de plantas, há demora na limpeza das ruas, o lixo e o entulho acumulados parecem criadouros bem mais produtivos. A precarização de serviços e cuidados, pela terceirização leviana, deve ser foco de maior reflexão.
Não podemos nos deixar curvar pelo odioso. Mas também não se pode imputar toda culpa às bromélias, às samambaias e às violetas africanas que adornam as janelas da casa da tia.
Um colega me contou que, em conversa com uma paciente, que se acha protegida, em razão de morar num apartamento do décimo andar onde os insetos não a alcançam, advertiu: ‘A senhora não sobe de elevador? O mosquito também. Ele se adapta’.
O frio também não parece ser um impeditivo, deve amenizar temporariamente o problema, mas ovos e larvas aguardam, hibernam.
Parodiando o clássico samba de Assis Valente e imortalizado por Carmen Miranda, é possível que sobre a camisa listrada os mosquitos aprendam a vestir um pulôver e continuem a sair por aí. Serão eles os reais malandros irresponsáveis?”