O outro, por sua vez, reforça que o calendário é genial, mas é também uma maldade esperta e inventada pela humanidade para nos levar até o limite da exaustão antes de entrar o tal "milagre da renovação".

Então, por que razão entra ano e sai ano, insistimos em colocar metas no papel -ou bloco de notas do celular? Segundo psicólogos, o gesto de escrever objetivos é terapêutico e de fato ajuda, pois nos dá chance de concretizar ações e tomar decisões que ficariam de lado se não fossem colocadas em pauta.

Decidir que um dos objetivos para o novo ano é aprimorar habilidades sociais, emagrecer ou organizar o emocional, entre tantas outras possibilidades, é o primeiro passo para de fato alcançar o que se busca, afirma a psicóloga clínica Aline Patrícia Machado Marques, 37. "Rever nossos planos é sempre um exercício válido, independente da época em que nos propomos a fazê-lo", diz a profissional.

Dessa forma, mesmo quando não são cumpridas, ou são apenas realizadas parcialmente, as metas permitem tirar um momento para pensar na vida que queremos ter, promovendo uma tomada de consciência sobre problemas e a busca de soluções.

Para a psicóloga Michele Cristina Nossa, 41, que trabalha com a metodologia de evidências em sua clínica, é importante ter em mente que objetivos e metas são eventos futuros e não estão completamente sob o controle do indivíduo.

"Eles dependem, em sua maioria, do comportamento de outras pessoas, de acontecimentos externos e do controle da própria subjetividade", pontua.

O plano de metas deve ser focado sempre nos valores da pessoa por trás dos objetivos - ou seja, nas razões dessas promessas serem importantes. "Para alguns indivíduos, estabelecer metas e objetivos para os anos que virão se constitui em uma forma de se manter organizado, disciplinado e com foco em resultados", diz Nossa.

A meta deve ter o que na psicologia é chamado de matriz Smart. A sigla, em inglês, traz palavras que o indivíduo deve estar atento. São elas: específico (specific); mensurável (measurable); atingível (attainable); relevante (relevant); temporal (time based).

Isso significa que cada meta deve ser bem definida (nada generalista ou amplo demais), significativa a ponto de motivar mudanças de hábitos envolvidos e capaz de ser medida e alcançada em um prazo.

Se o objetivo for aprender a falar em público com menos ansiedade, por exemplo, a pessoa poderia escrever assim: "desejo aprender estratégias para me regular emocionalmente e me comportar de forma mais segura ao me comunicar com outros em até um ano."

Embora precisem ser levados a sério, os planos não precisam (e nem devem) ser rígidos para que não imponham uma pressão nociva. "É saudável refletir sobre períodos futuros de nossa vida, contanto que esta ação não aconteça isoladamente. A questão não é estipular as metas, mas a maneira que essa construção interna acontece", diz Marques.

Organizar as promessas de fim de ano, segundo a profissional, inclui responder algumas perguntas, como "quais são os meus desejos e interesses?" e "estes desejos surgiram de que forma em minha vida?". Também vale questionar se existe diferença entre as coisas que gostaria de fazer, se quer colocar em prática por prazer ou necessidade, e de que modo nos comportamos em relação a estes aspectos no ano que passou.

A ideia é perceber quais pontos da vida prática dificultaram ou facilitaram alcançar objetivos e qual a possibilidade de desmembrar uma proposta maior em passos menores.

"Cumprir metas estabelecidas envolve antes de tudo conhecer a si mesmo e seu modo de funcionar na rotina. Mais vale identificar algo a ser perseguido de menor duração ou exigência, que idealizar avanços irreais", diz Marques.

Criar hábitos em condições propícias também está relacionado ao sucesso de um planejamento. "Se constato que sempre chego cansada demais de um dia de trabalho, talvez deva planejar as atividades físicas no próximo ano em um horário matutino", exemplifica.

Mudanças abruptas, por sua vez, podem atrapalhar. Quem quer ler mais e não tem costume, por exemplo, tem mais chance de ser bem-sucedido se focar em ler um livro por mês do que um livro por semana.

A médica radiologista Juliane Alves Paron, 45, nem sempre consegue cumprir as metas que estabelece para si, mas ainda assim, considera planejar um hábito positivo, principalmente para conciliar carreira e as demandas dos filhos.

"Mesmo planos não cumpridos, abandonados, são válidos. Até porque podemos repensar o que pesou no insucesso e modificar a abordagem no próximo ano", diz.

Paron utiliza planilhas mensais e anuais para tentar atingir objetivos financeiros, pessoais e empresariais. Coloca também lembretes visuais no espelho para ter momentos de autocuidado, programa alarmes no celular para fazer atividade física e tem até uma lista fixa de mercado com os itens saudáveis sempre no topo e os variáveis no final.

Mais que superstição, para ela, as metas de fim de ano são boas pelo contexto em que estão. "As férias escolares, o ritmo das pessoas, o clima de festa, tudo colabora. O impacto da pausa na rotina, do descanso, já propiciam um estado de reflexão", afirma Paron.