Redação
A corrupção não tem ideologia e envolve personagens da esquerda e da direita.
Que o digam o esquerdista José Dirceu, ex-“subversivo” e ex-ministro do PT, e Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, que cumpriram pena de prisão e hoje – livres, leves e soltos – estão de volta às rodas políticas e sociais de Brasília.
O incrível é que, apesar de todos os malfeitos praticados e que os levaram à cadeia, são hoje festejados por onde passam, como registra em editorial o jornal “O Estado de São Paulo”:
“Quando José Dirceu subiu à tribuna do Senado para discursar sobre a democracia brasileira, no último dia 2, o gesto disse muito mais sobre a qualidade do Senado e da democracia do que sobre Dirceu. O prócer petista ganhou tratamento de estadista na Câmara Alta da República duas décadas depois de ter sido escorraçado do Congresso por sua participação ativa no escândalo do mensalão – expressão que resume a corrupção da democracia no País. E ainda teve a oportunidade de dizer que quase não aceitou o convite porque, em outras palavras, o Congresso que o cassou não o merecia. ‘Zé, é uma honra, para nós, ter você conosco’, disse o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), autor do convite a Dirceu a propósito dos 60 anos do golpe militar de 1964.
A soberba do “Zé” tem razão de ser. Perto de alguns dos muitos pigmeus do Senado e da Câmara de hoje, Dirceu é um gigante da sobrevivência política. A prova mais luminosa disso nem foi sua constrangedora participação em uma sessão solene no Senado, de resto feita para louvar aquele que os petistas chamam de “guerreiro do povo brasileiro”, e sim a festança de seu 78.º aniversário em Brasília. Compareceram o presidente da Câmara, Arthur Lira, e políticos de diversas extrações, além de vários ministros de Estado. Todos ali ouviram uma aula magna de Dirceu sobre o projeto de poder lulopetista. Portanto, ninguém pode dizer que não foi avisado.
Mas Dirceu não voltou sozinho do além. Quem andou circulando com enorme desenvoltura em Brasília recentemente foi Eduardo Cunha, cujo mandato de deputado federal foi cassado em 2016 em meio ao escândalo do petrolão e da ofensiva da Lava Jato.
Cunha ganhou a ribalta por ter presidido a Câmara no impeachment da presidente Dilma Rousseff e por ter formado uma bancada pessoal de deputados fiéis, movidos a verbas e cargos negociados pelo poderoso parlamentar. Caiu em desgraça por razões óbvias – de tal modo que 450 deputados votaram pela sua cassação e apenas 10 o apoiaram –, mas, apesar dessa punição acachapante, o ostracismo durou pouco: no dia 11 passado, Eduardo Cunha foi uma das estrelas da festa de aniversário do deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), que reuniu petistas, bolsonaristas e ministros do Supremo Tribunal Federal.
Cunha foi até chamado de ‘presidente’ pelo deputado comunista Renildo Calheiros (PE) e saiu a defender o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de mandar matar a vereadora Marielle Franco.
Já sabemos que a democracia brasileira não anda bem das pernas, seja pelo voluntarismo censório e inquisitorial do Supremo, seja pela captura do Orçamento federal pelos interesses paroquiais de parlamentares, seja pela naturalidade com que o golpismo ganha ares de legitimidade. Mas quando personagens que deveriam ser liminarmente rejeitados pelo mundo político são, ao contrário, recebidos ali como respeitáveis xamãs, constata-se que esse mundo político, já conhecido por seus escassos limites morais, se rebaixou ainda mais, convertido ao credo de que tudo vale – e, pior, de que malfeitos eventualmente abrilhantam biografias, em vez de enxovalhá-las.
Festejar um José Dirceu e um Eduardo Cunha, depois de tudo o que fizeram para desmoralizar a democracia e as instituições, equivale a fazer troça da República, cujo nome é pronunciado em vão por aqueles que a corroem por dentro, tal como as saúvas denunciadas por Mario de Andrade há quase um século.
Dirceu e Cunha são os heróis sem nenhum caráter que tão bem representam o ideal político do Brasil de hoje: como Macunaímas atualizados, proclamam a quem interessar possa que não vieram ao mundo para ser pedra, isto é, para se apegar a valores como respeito à moral, às leis e à democracia, e sim para explorar todas as oportunidades que tiverem, sem qualquer peso na consciência, para acumular poder, influência e riqueza.
É por isso, e por nenhuma outra razão, que tipos como Dirceu e Cunha são recebidos nos salões de Brasília não com repugnância, e sim com admiração e calorosos tapinhas nas costas.”
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