João Arthur Sampaio
O termo 12º jogador é versátil - ou polivalente - no futebol, podendo se referir a um atleta que sempre entra em campo vindo do banco de reservas ou até mesmo ao árbitro da partida, de maneira pejorativa entre rivais. Mas, provavelmente, a situação mais comum em que é utilizado serve para se referir aos que animam, fazem zoada e ‘cornetam’: os torcedores.
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Eles são os responsáveis por animar o time do coração e atordoar os adversários com o barulho e a festa na arquibancada, criando cenários que chamam atenção de todos e [muitas vezes] os vídeos viralizam nas redes sociais. Entretanto, em 2023, a situação em destaque entre as torcidas dos principais clubes de Alagoas, CRB e CSA, não foi essa.
Veículo depredado, espancamento e até mesmo homicídio foram alguns dos casos policiais envolvendo integrantes de organizadas que tomaram conta dos noticiários. O alto número de ocorrências chamou atenção do Ministério Público de Alagoas (MPAL), que, por meio da Promotoria de Justiça do Torcedor, criada em 2017, decidiu procurar soluções junto às autoridades e às entidades do esporte.
‘Jogando pela paz’: o MP entrando em campo como titular
No final de setembro do ano passado, foi proposto o ‘Jogando pela paz’ para buscar fortalecer o enfrentamento à barbárie no futebol de Maceió, através de uma rede especializada, que agrega várias instituições, entre elas o MPAL; Polícia Civil; Polícia Militar; Secretaria de Estado do Esporte, Lazer e Juventude (Selaj); Federação Alagoana de Futebol (FAF); CSA e CRB.
Sendo uma iniciativa dos promotores Sandra Malta e Bruno Baptista, o projeto tem a intenção de atuar em quatro frentes, da prevenção à repressão.
Frentes do projeto foram detalhadas na apresentação pelo MP. Arte: João Arthur Sampaio / TNH1. |
“Esse é um problema que afeta o Brasil inteiro e até fora dele. Em Alagoas, o MP vem agindo há um bom tempo nesse sentido, tanto que conseguimos [diminuir a violência] dentro dos estádios. É claro que a gente não pode dizer que vai cessar a criminalidade. Ninguém pode prever o que vai ocorrer”, explica Sandra Malta, da Promotoria de Justiça do Torcedor.
Entre ações como suspensões temporárias, já foi até considerado e tentado anteriormente, há cerca de 10 anos, o banimento permanente de organizadas envolvidas nestes casos de brutalidade. Porém, o pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça. Sandra ainda levantou o ponto de que, em caso da perpetuidade do afastamento, estes mesmos indivíduos poderiam se organizar em outro grupo.
Os TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) são firmados entre as autoridades e os representantes das organizadas em questão. Um dos principais objetivos é realizar o envio dos documentos de todos os associados aos times. Desta maneira, o MP e a PM conseguem ter o controle e assegurar que as partidas aconteçam normalmente.
Estes acordos determinam o cadastramento dos integrantes como pré-requisito para a entrada no estádio. Além de manter as sedes fechadas quando o adversário estiver jogando, as torcidas também devem enviar à polícia os ofícios em até 48h antes dos jogos para análise. O plano de ação da polícia é elaborado depois de reuniões com os representantes.
Alvos vermelho e azul na mira da polícia
As cores dos times [em inglês] inspiraram o nome de uma operação da Secretaria de Segurança Pública, com participação do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MPAL: Red Blue.
Realizada em dezembro do ano passado, a operação cumpriu 15 mandados de prisão, sendo 11 deles contra diretores das torcidas organizadas por envolvimento em diversos crimes, a exemplo de homicídios; além de resultar na suspensão dos perfis nas redes sociais das investigadas Comando Alvi Rubro e Mancha Azul.
“Apuramos e vimos que os casos eram - quando não praticados pelos próprios dirigentes das torcidas - o que a gente chama de domínio do fato, quando se coordena e apoia as investidas”, contou o delegado Lucimério Campos, responsável pelo inquérito da ação.
Sedes das organizadas foram alvo dos mandados. Crédito: Reprodução. |
O delegado detalhou que os líderes respondem por organização criminosa e, em cada ação que fizeram, foram individualizadas as condutas por tentativa de homicídio, homicídio consumado, lesão corporal gravíssima e dano. “Na internet, eles faziam apologia à violência e cometiam injúrias e calúnias contra as instituições e as autoridades”.
Após a conclusão do inquérito, a denúncia foi encaminhada pelo MP ao Poder Judiciário, que aceitou e transformou os denunciados em réus. A partir daí, abre-se o espaço para a defesa de cada um deles e a instrução do processo para fim de condenação criminal.
Caso detalhados com os títulos das matérias feitas à época pelo TNH1. Arte: João Arthur Sampaio / TNH1. |
Sociólogo explica raiz do problema
Condições objetivas, sociais e materiais. Estes são alguns dos pontos levantados pelo sociólogo Carlos Martins, que afirma que, assim como todo fenômeno social, este é multicausal e multifacetado. Para ele, os fatores citados produzem uma “subjetividade violenta” dentro de uma sociedade capitalista.
“Vivemos pautados pelo consumo e, ao mesmo tempo, esse ato possui limitações, o que gera frustrações. Aí entra uma corrente de opinião que circula nos grupos sociais e que apresenta a violência como resolução do problema. Associado a isso, existe a intolerância. Se o outro é diferente, preciso ‘resolver’ isso”, pontuou.
Carlos analisa que apesar dos lados terem a mesma ‘natureza’ [de organizada], são diferentes e um só existe e se reafirma na vitória de seu time. “No momento em que estas pessoas constituem um grupo, formam uma identidade coletiva, o que garante o anonimato. É uma situação de conforto, onde o indivíduo pode extravasar toda raiva que tem acumulada, a partir das frustrações da vida, e joga tudo para fora, com a garantia de que não está sendo visto, mas sim o grupo que faz parte. É uma bomba-relógio”, enfatizou.
O sociólogo avaliou que uma solução pode ser alcançada, entretanto, assim como o problema, também tem múltiplas causas, se trata de um trabalho construído ao longo do tempo. “Você pode chamar de paz a não existência da violência, mas a subjetividade violenta ainda está presente”.
Revolução na arquibancada: o espaço para ‘novos’ adeptos
Com gritos impactantes e contagiantes, balões e fumaça, outros grupos conquistam espaço em meio ao preconceito e a violência das demais organizadas. Em outros setores do Rei Pelé, não é difícil de ver os que levam ao pé da letra a essência de ‘ser torcida’, aqueles como os integrantes da Bravos Regatianos e Povão Azulino, duas das que se destacam entre as demais.
Como explicado por Carlos Martins, os atuais problemas possuem raízes de cunho social, algo que os representantes destes outros lados vermelho e azul concordam e entendem. Este movimento é relativamente recente dentro de um quadro geral do futebol, com ambas surgindo há menos de uma década, focando em algo primordial no ramo: o apoio incondicional ao clube.
“A maior motivação é mudar o conceito da coisa”. As palavras são do vice-presidente da Povão, Dorgival Neto, mais conhecido como MC Polho. “Não posso falar que sou santo, que nunca vivenciei [a violência], que nunca pratiquei, até porque vivi minha adolescência em torcida organizada. Hoje enxergo esse contexto com outros olhos. Vejo que não cabe mais dentro do futebol. Atualmente, a gente já tem uma vida tão pesada, com tantos percalços e obrigações, e o futebol é um lazer, uma válvula de escape”.
A Povão pede passagem com a conquista na arquibancada sendo feita por meio de atividades em prol do CSA, tentando angariar membros, sempre seguindo a ideia de querer fazer o grupo crescer juntamente ao clube.
Povão Azulino já tem o próprio espaço no Trapichão. Crédito: Reprodução / Redes sociais. |
Numa linha parecida, só que pelo CRB, existe a Bravos. Inspirada nas barras bravas da própria América Latina, o movimento de apoio total ao time chega com o intuito de revolucionar a maneira de torcer em Alagoas, independente da fase. Pedro Castro, o presidente, contou que o espaço foi adquirido sem querer substituir ninguém, mas considerou a trajetória difícil por conta da tradição das outras.
“Os cânticos de rivalidade, de uma torcida xingar a outra (...) isso expressa este comportamento dentro do futebol. E vai se disseminando até chegar nas brigas de fato, na rua. Só que tomou uma proporção que, atualmente, fugiu totalmente do controle dos líderes, isso é um fato. A nossa não tem essa filosofia”, declarou.
Em seu setor, a Bravos Regatianos 'empurra' o time com os cânticos. Crédito: Francisco Cedrim / CRB. |
VAR da segurança: controle dentro do estádio
Apesar da sigla remeter a um nome em inglês (Video Assistant Referee), o termo foi popularizado em conversas de bar e matérias esportivas. O recurso do árbitro assistente de vídeo é utilizado para revisar lances duvidosos que podem não ter sido bem interpretados dentro das quatro linhas. Para atuar nas redondezas delas, a Selaj ampliou a sala de monitoramento do Rei Pelé.
Com a novidade, o aparato tecnológico do Trapichão agora conta com 72 câmeras espalhadas em locais internos e externos, sendo 66 fixas e mais seis ‘Speed’, que monitoram em grande performance longas distâncias, com alta qualidade de imagens. A equipe de monitoramento trabalha com representantes da Polícia Civil, PM e de uma empresa de tecnologia especializada em reconhecimento facial.
A 'Sala Inteligente' foi inaugurada no dia 25 de janeiro. Crédito: Ascom Selaj. |
O que dizem os clubes
Tanto CRB, quanto o CSA se posicionam a favor da paz dentro e fora do estádio, repudiando ‘veementemente’ os atos violentos. Ambos afirmaram que sempre se colocam à disposição das autoridades quando se faz necessário.
O Azulão ainda afirmou que trabalha para tornar a experiência do esporte mais saudável e divertida, além de inclusiva, incentivando a presença da família nos jogos. E o Galo repassou que, apesar de não possuir algo específico fixo sobre o tema, realiza ações pontuais sempre que necessário. Por fim, a gestão atual ressaltou que entende o papel das torcidas e que elas sabem a opinião do clube em relação ao assunto.
O lado das organizadas
O TNH1 também ouviu representantes das torcidas Comando Alvi Rubro e Mancha Azul. Ambas informaram que não compactuam com a violência, reafirmando a principal razão das respectivas existências: torcer. O lado vermelho lamentou os casos ocorridos em 2023; e o azul destacou que os culpados devem ser punidos individualmente.
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