As ponderações de um diplomata alagoano sobre a viagem do presidente Lula à África

Publicado em 28/08/2023, às 14h39

Redação

O alagoano Miguel Gustavo de Paiva Torres, diplomata brasileiro aposentado e também escritor, entende serem temerárias as negociações do presidente Lula (PT) nessa viagem à África.

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Segundo Miguel Torres, com a experiência de muitos anos atuando pelo Itamaraty em missões diplomáticas no exterior, “Angola nunca paga dividas. Rola e enrola. A filha do José Eduardo dos Santos preferia aparecer na lista dos dez mais ricos do mundo e qualquer negócio de petróleo e gás passava por ela.”

É dele o texto a seguir, originalmente veiculado no portal “Contextoalagoas”:

“Bom. A cobra começou a fumar de verdade quando cortamos nosso cordão umbilical com Portugal. Cometemos o sacrilégio de romper a irmandade luso-afro-brasileira que apoiava, sem condicionamentos, o colonialismo de Salazar e Marcelo Caetano. Apoio lastreado, diziam, pelas pesquisas de campo e argumentos de Gilberto Freyre, este ícone que visitou todos os territórios africanos do Ultramar português, a convite da ditadura portuguesa, e concluiu com a ideia de um colonialismo humanista, civilizador, malemolente e bonzinho na África de língua portuguesa, sintetizado nas Américas pelo Brasil.

Depois da queda de Jânio e de Jango e dos seus profetas da Política Externa Independente do Brasil, foi no regime militar, sob pressão da então acelerada industrialização do Brasil, que Mário Gibson Barbosa, o aristocrático chanceler pernambucano de Garrastazu Médici, decidiu ressuscitar o tema das relações entre Brasil e a África, que ganhava momento com independência e soberania, e sangue escorrendo até hoje nos grandes rios do continente negro.

Quando comecei a trabalhar no Itamaraty, bem colocado no concurso, tive a chance de escolher onde queria trabalhar. Não tive dúvidas: Departamento da África, com a chefia do embaixador Ítalo Zappa. Um sonho. Pura emoção. Resgatar a África para o coração brasileiro.

Em 1977, já número dois na embaixada do Brasil na capital, Abidjan, da ex-colônia francesa Costa do Marfim, recebi, como encarregado de negócios interino, delegação parlamentar brasileira chefiada pelo único parlamentar negro, que também era naquele poder o responsável pelas relações Brasil-África.

Simpático, sorridente e entusiasmado, queria informações sobre possibilidades de negócios na próspera Costa do Marfim, dominada de cabo a rabo por Paris. Tinha um saco de surpresas de onde tirou goiabada, feijão, farinha e charque. Aquilo me pareceu muito primário e pobre. Nós queríamos vender aeronaves da Embraer, armas e outros produtos industrializados, como facas, talheres, vidros, etc.

Hoje, olhando o panorama da ponte, vejo como eu era infantil e o deputado de ascendência africana sábio e inteligente homem de negócios.

A presença do Brasil no coração da África e vice-versa só seria possível hoje, depois da incompetência política, diplomática e empresarial dos últimos 40 anos, pela via dos pequenos e médios negócios que beneficiam a crescente e poderosa classe média africana.

Shampoo, goiabada, suco e castanha de caju, pipoca, têxteis, sapatos, software, sempre de preferência com sócios do entorno do poder local e contratos com sede de foro nos Estados Unidos, de preferência. O resto agora pertence à China, Turquia, Marrocos e, ainda, aos velhos europeus, antigos donos do pedaço.

A balela dos investimentos é perda certa de dinheiro. Os portos, aeroportos, estradas, plantações, agroindústria e, na mosca, minérios, inclusive raros, já estão nas mãos de Pequim, Paris, Londres, Austrália, África do Sul, Moscou, Tóquio e outros que souberam operar profissionalmente e abriram os bolsos com direções certas.

O Brasil joga em cooperação na África dezenas de milhões, esses outros países centenas de bilhões, entendeu?

Papo furado de futebol, Pelé, mulatas e carnaval, é coisa do século passado. Será que ninguém se dá conta de que o mundo mudou.

Antes de brigar por assento no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil precisa pagar todas suas dívidas, quase permanentes. com todos os organismos internacionais aos quais pertence; avançar para tecnologias nucleares na sua defesa; investir na infraestrutura brasileira; dar real autonomia a um serviço de inteligência do Estado, equipando-os com recursos materiais e humanos capazes de fazer frente a Havana, Israel, Estados Unidos, Turquia, Alemanha, Inglaterra, França, só para citar alguns tops.

Certamente não é o caso da atual Abin, de Ramagem, Augusto Heleno e Gonçalves Dias. Pelo amor de Deus, vamos trabaçhar pelo país. Enough is enough,como diz o pessoal da CIA.

Antes que eu esqueça, aqui vai uma sugestão de menor custo e viável para o Brasil na África:   implantar Centros de Pesquisas e cooperação técnica da Embrapa, equipados com pessoal especializado e agregados às embaixadas em pelo menos cinco países chaves no continente africano. Custa algum dinheiro, é claro, mas é melhor do que compactuar com os grandes investimentos, movidos à propina, que destroem e massacram populações africanas.”

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